AS RAINHAS DO RÁDIO: O SAPOTI E A COROA
Aos 85 anos de idade, Abelim Maria da Cunha (ou simplesmente Ângela Maria) continua a cantar e encantar público de todas as idades em mais de sessenta anos de carreira. Sua trajetória teve início na década de 1950 quando Abelim era a primeira voz no coro existente na Igreja Batista do Bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, onde o seu pai, o Reverendo Albertino Coutinho da Cunha era pastor. Apesar de todos os irmãos de Abelim cantarem, era a voz daquela que viria se tornar a sapoti a mais ouvida. Mesmo em um ambiente musical, a futura Ângela Maria almejava mais que o ambiente secular que a cercava e buscou ampliar o seu repertório indo além dos hinos da Igreja que frequentava. Abelim queria mais, sonhava mais. E esse seu desejo corroborou para a sua decisão em cantar as chamadas "músicas profanas" em programas de calouros não era vista com bons olhos pela família, no entanto a ideia de se tornar artista parecia algo irremediável para a jovem. Seu sonho era tornar-se artista e para isso não lhe bastava trabalhar em uma fábrica, inspecionando lâmpadas, ganhando um salário de 600 cruzeiros velhos por mês e a noite ainda ter que ir para a escola. Para alcançar o seu objetivo e tornar-se uma grande estrela do rádio e consequentemente da música brasileira havia a necessidade de um preço a ser pago e sacrifícios a serem feitos. Um deles consistia na mudança de sua rotina de vida, abandonando inclusive a dura jornada de trabalho, sua fonte de renda.
Seu sonho era ser igual a sua grande referência musical, Dalva de Oliveira. E já era perceptível que talento para isso ela provara que tinha através dos diversos programas de calouros que frequentava e ganhava. Ser cópia fiel de Dalva de Oliveira a credenciou a diversas vitórias nos programas radiofônicos dos quais participou, mas em compensação essa semelhança acabou gerando no início da carreira de Ângela um sério problema: ninguém queria contratá-la pois a consideravam uma cópia fiel de Dalva de Oliveira. Era comum a jovem Abelim, ao apresentar-se nos programas ao qual concorria, justificativas para a sua vitória tipo "Você só ganha prêmios em programas de calouros porque imita Dalva de Oliveira e o público gosta dela. Sinto muito, prefiro o original". Isso, de certo modo a incomodava até o ponto em que ela já não aguentava mais e precisava atestar de uma vez que o seu talento sobrepujava, sem desmerecer suas grandes referências, qualquer comparação. Era chegada a hora da mudança e a primeira característica que comprovava isso evidenciava-se em seu próprio nome. Havia chegado a hora de Abelim transformar-se em Ângela Maria, cantora profissional que trocaria as apresentações seculares a amadoras para atuar nos palcos como crooner. A sorte, que parecia estar ao seu lado, corroborou para que a pretensa cantora em três meses já se tornasse artista exclusiva da Rádio Mayrink Veiga ganhando um salário bem maior do que aquele que pouco tempo atrás recebia como operária; além disso, a popularidade a alcançava chegando inclusive à presidência da república, a admiração do Presidente Getúlio Vargas (que a apelidou de Sapoti) foi fundamental para que todo o país também começasse a acompanhar e admirar o seu trabalho a partir de marcantes interpretações.
Quando transformou-se em Rainha do rádio em 1954, Ângela Maria contava (assim como Marlene cinco anos antes) com o patrocínio da Antártica e isso, de certo modo, influenciou na obtenção, por parte da artista, de um marco no concurso: o posto de campeã absoluta de votos. No ano em que ganhou Ângela Maria obteve mais de um milhão e quatrocentos mil votos, para ser mais preciso foram 1.464.996, uma votação jamais igualada por nenhuma Rainha sucessora. Na época, a artista já não encontrava-se mais vinculada a Mayrink Veiga e sim a conceituada PRE-8, a Rádio Nacional, onde (sob oferta do Colírio Moura Brasil e Cilion) onde apresentava-se em programas como "A Rainha canta", aos sábados no horário das 14:30 horas, sob narração de Meira Filho e apresentação de Lúcia Helena e Amilton Frazão (sem contar a participação do Maestro Chiquinho e sua orquestra). Se houve uma década áurea para Ângela pode-se afirmar sem dúvida que foi a de 1950. O sucesso da artista neste período era algo impressionante e perceptível a partir do auditório da emissora que, em suas apresentações, ficava repleto de tietes semana após semana, fato este que colaborou de modo bastante intenso para que a artista a partir dali acabasse tornando-se um dos grandes nomes da música brasileira de todos os tempos e referência para toda uma geração de artistas que viria sucedê-la como, por exemplo, a saudosa Elis Regina, que era fã declarada de Ângela e a considerava uma das vozes mais bonitas do Brasil (opinião compartilhada por inúmeros fãs da artista até os dias atuais). Recentemente foi lançado pelo selo Discobertas (sob a batuta do produtor e pesquisador musical Marcelo Fróes) o box Angela Maria - Rainha do Rádio (1955-1956) contendo quatro álbuns que abrangem e dão uma boa noção daquilo que a cantora representou na década de 1950. No auge do sucesso popular e de sua forma vocal, a Sapoti mostra nestes álbuns o porquê de sua popularidade a partir de 54 gravações registradas no auditório da Rádio Nacional nos populares programas do qual fazia parte ou participava.
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