A CANA
(Por Violante Pimentel) Pedro Elias era
motorista de um órgão público estadual.
Gostava de beber, e uma vez por outra tomava umas carraspanas, chegando
ao serviço embriagado. Já havia sido repreendido e até suspenso do trabalho.
Entrou de férias e voltou outro homem. Dizia, a toda hora, que agora era
evangélico e tinha deixado de beber. Afinal, tinha esposa e filhos para
sustentar. A partir de então, esforçou-se para andar na linha. Realmente, não
deu mais sinal de que continuasse bebendo.
Depois de alguns meses, passou a inspirar confiança novamente, como
motorista de carro oficial.
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Violante Pimentel é procuradora aposentada do Estado do Rio Grande do Norte |
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Num certo dia, o chefe
imediato de Pedro Elias o escalou para levar o Secretário do órgão onde era lotado
a João Pessoa, a serviço. O Secretário
não gostou quando soube quem seria o motorista que viajaria com ele, pois
conhecia sua fama de pinguço. O chefe da oficina, entretanto, garantiu que ele
havia deixado de beber, e agora era outro homem.
Passando por Mamanguape
(PB), por volta de meio dia, o Secretário ordenou ao motorista que parasse em
um restaurante, a fim de almoçarem. Gentilmente, facultou-lhe sentar-se à mesa
com ele. Por timidez, o homem preferiu ficar mais afastado, em outra mesa, onde
se sentiria mais à vontade. O Secretário pediu ao garçom o almoço e um
refrigerante.
O motorista chamou o
garçom e cochichou-lhe: “Rapaz, pelo amor de Deus, eu estou aqui doido pra
tomar uma branquinha. Quero que você me sirva uma dose grande de cachaça,
disfarçada numa xícara. Meu chefe, que está ali naquela mesa, não pode ver”.
O garçom anotou todos
os pedidos, inclusive o do motorista, e do meio do salão os transmitiu ao
colega que atendia no balcão.
Para surpresa do
Secretário, soou-lhe aos ouvidos a voz estridente do garçom, lendo os pedidos
anotados:
- Pra mesa 5, uma coca cola e um filé com fritas! Pra mesa 8, aquela ali, o homem quer uma cana “disfalçada”, numa
xícara!
O Secretário virou-se
para a mesa onde estava Pedro Elias, encarou-o, e balançou a cabeça em sinal de
desaprovação. O motorista, sentindo-se perdido, levantou-se nervoso e saiu
protestando:
-- Eu mesmo não pedi
isso não! Eu não quero é nada!
E saiu do restaurante,
indo aguardar o Secretário no carro. A
viagem até João Pessoa prosseguiu em completo silêncio. O motorista, com medo
de uma nova punição, ainda tentou explicar ao Secretário, sem êxito, que o
garçom havia se enganado.
O Secretário,
visivelmente irritado, permaneceu calado, demonstrando não acreditar em nenhuma
daquelas palavras.
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Quando a cana fala mais alto... |