sábado, 1 de fevereiro de 2014

CLÓVIS CAMPÊLO

O RECIFE COMO ELE SEMPRE FOI

Clóvis Campêlo

Nasci em plena Avenida Conde da Boa Vista, no centro do Recife, em um casarão que pertenceu a várias famílias tradicionais da cidade. Nele, posteriormente, por vários anos, funcionou uma clínica psiquiátrica suspeitíssima por manter em suas dependências como doentes mentais moradores de rua, para lá levados em um convênio macabro mantido durante décadas com a polícia estadual.

Sobre o casarão, aliás, consta também que, em uma reforma feita nos anos 50 do século passado, foi encontrado em suas paredes um esqueleto feminino. O acontecimento, lido por mim nos jornais da época, no Arquivo Público Jordão Emerenciano, suscitou-me a lembrança do romance “A Emparedada da Rua Nova”, do escritor pernambucano Carneiro Vilela. Talvez fosse um hábito social, nos séculos anteriores, sepultar em casa os restos mortais dos entes queridos.

Hoje, o imóvel é tombado e continua de pé, mesmo com a construção de dois espigões residenciais em seu terreno para abrigar os recifenses trazidos pela modernidade. Enfim, a cidade cresceu e evoluiu.

Talvez por isso, também, mantenho até hoje um carinho especial pelo bairro da Boa Vista. Lá, durante muitos anos, os meus ancestrais maternos fizeram morada. Por lá ainda vive uma tia minha octogenária, a última das moicanas a resistir à vida e ao tempo.

Nos anos 60, a minha avó materna foi morar na Ilha do Leite, que em nada se comparava ao que é hoje. Saía com meus primos a passear de bicicleta pelos sítios ainda existentes, repletos de árvores frutíferas e de alguns currais com vacas leiteiras. Fica difícil de imaginar isso por ali hoje em dia.



Mas para o menino que fui, interessava mesmo era o coração nervoso da cidade, na época, constituído pelas avenidas Guararapes e Conde da Boa Vista. Fico impressionado como essa parte da cidade estagnou do ponto de vista da construção de novos prédios e como decaiu do ponto de vista do interesse das administrações públicas e da iniciativa privada. Literalmente, essa parte da cidade foi abandonada e entregue à própria sorte. Numa evolução cruel e inexplicável, a cidade expandiu-se para outros lados, acabando com o glamour e o charme ali existentes.

Os que, como eu, já superaram a barreira da idade da razão, com certeza, lembram-se dos passeios nas calçadas à margem do rio Capibaribe, à noite, chamados romanticamente de “quem me quer”. Ou das vitrines fartamente iluminadas das ruas Nova e Imperatriz, hoje ocupadas por desocupados, moradores de rua, sem tetos e fumadores de craque. Tornaram-se ruas assustadoras e temerosas.

Mesmo sem a pretensão de alimentar saudosismos inúteis ou de querer negar a inevitabilidade do futuro, lembro com saudade daqueles tempos onde a cidade ainda nos parecia pequena e decente.


Recife, 2014


http://geleiageneral.blogspot.com.br/

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