SEM TRADUÇÃO
(Dedico este texto
à poetisa baiana Liris Letieres e seu olhar de petardo.)
Já disse o poeta
que o olhar feminino não se traduz. Traz no seu íntimo todos os segredos e
mistérios do mundo. E quem seríamos nós, pobres seres humanos do sexo
masculino, para enveredarmos pela sinuosidade desses labirintos?
Mas, na inquietude
das almas dos homens, também há um lugar para o mistério. O sexo forte existe
acima de tudo para isso: capitular ante a sedução dos olhares de Eva e defender
esse legado da horda sedenta que dele procurar se aproximar e abrigar-se. Um
gigantesco trabalho, facilitado hoje pelas convenções sociais, pelo mito do
amor e pelas conveniências do sistema em que vivemos.
Já disse um outro
poeta (ou terá sido um cientista revolucionário?), que a atração do macho pela
fêmea, que se dá sempre através do seu olhar, traz a identificação da conjunção
genética adequada para a reprodução e a manutenção da espécie. Portanto, o
tesão nada mais seria do que a ação da Natureza nos sinalizando
sub-repticiamente sobre a chegada do momento decisivo para o encontro ideal.
Nós, seres humanos racionais é que fazemos disso interpretações equivocadas ou
confusas e desordenadas. Quanto se trata do olhar feminino, toda inocência poderá
ser castigada.
Quem poderia
interpretar, por exemplo, o olhar da Mona Lisa? Enquanto muitos se preocuparam
com o seu sorriso, a exemplo do doutor Freud, que no alto do seu saber
psicanalítico o interpretou como uma atração erótica subjacente de Leonardo da
Vinci para com a sua mãe, para mim, são os olhos claros da madona que nos
irradiam o mais profundo mistério. Segundo a Wikipédia, esse novo compêndio do
saber universal, o olhar da Gioconda parece acompanhar quem a observa. É ao
mesmo tempo incógnita e sedução, mas sem tradução.
E o que dizer do
olhar dissimulado de Capitu, a personagem machadiana, que nos incomoda sem
nunca ter sido visto por qualquer um de nós? Esse privilégio foi dado pelo
autor brasileiro apenas a Bentinho, o Dom Casmurro, que por ela se apaixona (o
mito do amor) e se desencanta, transferindo para o leitor a sua visão
apaixonada (no início) e crítica (no final). A dúvida de Bentinho sobre Capitu
e o seu olhar dúbio arrasta-se até os dias de hoje, deixando o mistério em
aberto e nós sem condições de concluirmos a nossa leitura e interpretação
pessoal. Uma eterna dúvida sem tradução, criando assim em nós a tradição da
dívida.
Já disse o poeta
que o olhar feminino não se traduz. Traz no seu íntimo todos os segredos e
mistérios do mundo. E quem seríamos nós, pobres seres humanos do sexo
masculino, para enveredarmos pela sinuosidade desses labirintos?
Recife, 2014
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