CRÔNICA DA LEITURA
O melhor da terapia é ficar observando os meus colegas
loucos.
Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente dito e o
que cuida do louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra. Sim, somente
um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou sete outros loucos todos
os dias, meses, anos. Se não era louco, ficou.
Durante quarenta anos, passei longe deles. Pronto, acabei
diante de um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como
louco confesso, que estou adorando estar louco semanal.
O melhor da terapia é chegar antes, alguns minutos e ficar
observando os meus colegas loucos na sala de espera. Onde faço a minha terapia
é uma casa grande com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre
tem três ou quatro ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer dali a
pouco. Ninguém olha para ninguém. O silencio é uma loucura.
E eu, como escritor, adoro observar pessoas, imaginar os
nomes, a profissão, quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos,
corintianos ou palmeirenses. Acho que todo escritor gosta desse brinquedo, no
mínimo, criativo. E a sala de espera de um “consultório médico”, como diz a
atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto Paulo Coelho
como ela), é um prato cheio para um louco escritor como eu. Senão, vejamos: Na
última quarta-feira, estávamos: (1) eu, (2) um crioulinho muito bem vestido,
(3) um senhor de uns cinqüenta anos e (4)uma velha gorda.
Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual seria o
problema de cada um deles. Não foi difícil, porque eu já partia do principio
que todos eram loucos, como eu. Senão, não estariam ali, tão cabisbaixos e
ensimesmados.
(2) O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país racista
como o nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até aquela poltrona de
vime. Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam ou não conseguiu
entrar como sócio do “Harmonia do Samba”? Notei que o tênis estava um pouco
velho. Problema de ascensão social, com certeza. O olhar dele era triste,
cansado. Comecei a ficar com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala.
Podia ser o corpo da namorada esquartejada lá dentro. Talvez apenas a cabeça.
Devia ser um assassino, ou suicida, no mínimo. Podia ter também uma arma lá
dentro. Podia ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava olhadas
furtivas para dentro da mala assassina.
(3) E o senhor de terno preto, gravata, meias e sapatos
também pretos? Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei que
tinha um pequeno tique no olho esquerdo. Corno, na certa. E manso. Corno manso
sempre tem tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roía as unhas. Insegurança
total, medo de viver. Filho drogado? Bem provável. Como era infeliz esse meu
personagem. Uma hora tirou o lenço e eu já estava esperando as lágrimas quando
ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o Paulo Coelho da outra.
Faltava um botão na camisa. Claro, abandonado pela esposa. Devia morar num
flat, pagar caro, devia ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que não.
Ninguém beijaria um homem com um bigode daqueles. Tingido.
(4) Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha.
Que bunda imensa. Como sofria, meu Deus. Bastava olhar no rosto dela. Não devia
fazer amor há mais de trinta anos. Será que se masturbaria? Será que era esse o
problema dela? Uma velha masturbadora? Não! Tirou um terço da bolsa e começou a
rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu pensava. Estava no quinto
cigarro em dez minutos. Tensa. Coitada. O que deve ser dos filhos dela? Acho
que os filhos não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos.
Tinha cara também de quem mentia para o analista. Minha mãe rezaria uma
Salve-Rainha por ela, se a conhecesse.
Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu
psicanalista. Conto para ele a minha “viagem” na sala de espera. Ele ri, ri
muito, o meu psicanalista e diz: “(2 ) O Ditinho é o nosso office-boy. (3) O de
terno preto é representante de um laboratório multinacional de remédios lá no
Ipiranga e passa aqui uma vez por mês com as novidades. 4) E a gordinha é a
Dona Dirce, a minha mãe. E (1) você, não vai ter alta tão cedo…”
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