ARQUIVO GOOGLE |
TÃO JOVENS,
TÃO VELHOS
Na rede
pública o corporativismo, a ideologia, a má fé
e a
ignorância operam para aprofundar o fosso
da
desigualdade social, condenando nossa juventude ao atraso
POR
HUBERT ALQUÉRES
BLOG
DO NOBLAT
09/11/2016
| 01h25
Daqui
a 20 ou 30 anos, quando as salas de aula pouco terão a ver com os dias de hoje,
historiadores e pesquisadores que se debruçarem sobre o atual movimento de
ocupação das escolas, em protesto contra a reforma do ensino médio, vão
entendê-lo como algo tão anacrônico como a Revolta da Vacina de 1904.
Na
época, por desinformação e ignorância, a Escola Militar e boa parte da
população do Rio de Janeiro se sublevaram contra a vacinação obrigatória,
forçando o governo de Rodrigues Alves a decretar estado de sítio na cidade.
Medida dura, mas o sanitarista Oswaldo Cruz estava certo. Só assim a epidemia
de varíola foi extinta no Rio de Janeiro.
Em
defesa da Revolta da Vacina pode-se arguir que o grau de informação era
precário, pois os meios de comunicação praticamente se resumiam aos jornais e a
maioria da população era analfabeta. A ignorância é a mãe do obscurantismo, de
movimentos regressistas como o de Canudos de Antônio Conselheiro.
O
mesmo não se pode dizer sobre os dias atuais. Os modernos meios de comunicação
democratizaram as informações, hoje acessíveis a todos, inclusive à minoria que
ocupa as escolas. As mazelas do ensino médio são sobejamente conhecidas, tanto
por educadores como por quem sofre na pele as suas consequências, os estudantes
e pais de família.
O
problema maior não é a ocupação das escolas, embora seja uma forma de luta
estapafúrdia e antidemocrática por meio da qual uma pequena parcela impõe seu
ponto de vista a milhões e milhões de outros jovens impedidos de frequentar as
aulas.
“Os
centros de excelência da rede privada começam a focar no desenvolvimento dos
aspectos não cognitivos dos alunos,
no
incentivo à capacidade de liderança, na relação entre o todo
e as
partes, na pesquisa com espírito crítico e na capacidade analítica”
Não
é apenas uma questão de forma. É, principalmente, um problema de conteúdo. O
movimento ocupacionista é essencialmente reacionário, no sentido de ser
contrário a ideias transformadoras. Leva, concretamente, à manutenção do status quo do nosso sistema educacional,
perpetua o pacto da mediocridade, onde parte dos professores finge que ensina e
parte dos alunos finge que estuda.
Parece
não darem conta que o mundo se move e com ele a educação.
No
Colégio Bandeirantes, tradicional escola particular de São Paulo, da qual faço
parte, as barreiras literalmente estão sendo derrubadas. Em 2017 não haverá
mais divisão rígida por disciplina, as aulas de laboratório de física, química,
biologia e artes acontecerão em um mesmo espaço, com professores de várias
áreas interagindo simultaneamente. A palavra-chave é interdisciplinaridade.
Será adotado um “currículo escolar flexível” (como propõe a Medida Provisória
da Reforma do Ensino Médio) com vistas a permitir ao aluno a seleção de algumas
disciplinas nos quais queira se aprofundar, conforme sua vocação.
Não
pensem ser um caso isolado. As boas instituições do ensino privado brasileiras
trilham o mesmo caminho, pois a escola que não se reinventar desaparecerá do
mercado ou terá peso pena.
As
mudanças chegam também ao ensino fundamental. Os centros de excelência da rede
privada começam a focar no desenvolvimento dos aspectos não cognitivos dos
alunos, no incentivo à capacidade de liderança, na relação entre o todo e as
partes, na pesquisa com espírito crítico e na capacidade analítica.
E
não o fazem por modismo, mas por necessidade do país em ter cidadãos mais
preparados, em especial, o mercado de trabalho, que requer hoje um profissional
com qualidades inteiramente diferentes da época do chão de fábrica.
Vem
sendo ditada também por instituições de ponta do ensino superior, que avaliam
os chamados conhecimentos não cognitivos, em seu processo seletivo. Isso já
acontece na seleção das conceituadíssimas Faculdade de Medicina Albert
Einstein, Faculdade de Engenharia do Insper na Escola de Administração da
Fundação Getúlio Vargas.
Mais:
vislumbra-se no horizonte uma importante alteração no exame internacional PISA
– OCDE, principal instrumento de avaliação do ensino no mundo, que pauta
políticas educacionais em vários países. Sim, o PISA deve passar a agregar
aspectos não cognitivos em futuras avaliações.
A
transversalidade, o currículo flexível, a mudança da arquitetura das salas de
aulas, a valorização de habilidades que farão a diferença na vida futura dos
alunos, os trabalhos por projetos, a combinação do ensino presencial e à
distância estão sendo implantadas em países de ponta: Estados Unidos, Canadá,
Finlândia, entre outros.
Cedo
ou tarde, o Brasil terá de acompanhar este movimento. O preocupante hoje é que
as escolas privadas de boa qualidade já estão acertando o passo, enquanto na
rede pública o corporativismo, a ideologia, a má fé e a ignorância operam para
aprofundar o fosso da desigualdade social, condenando nossa juventude ao
atraso.
Involuntariamente,
ou não, o movimento de ocupação das escolas faz esse jogo.
Hubert Alquéres é
professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola
Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de
Educação do Governo do Estado de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário