-- Mafalda, aproveitando que estamos sós, coisa
rara, eu quero lhe fazer uma pergunta: você se lembra daquela música nossa? –
quis saber o Velho Marinheiro, nosso Lobo do Mar, caçador incansável de bichos
de pés inexistentes.
-- Qual? Tivemos tantas, ao longo dos anos – tentou
dissimular a amada do desbravador dos sete mares.
-- Da mais quente, não se faça de desmemoriada.
Besta você não é. Conhece minhas melhores intenções.
-- Lembro, sim. Mas não digo. Aquilo já se foi. A
gente era jovem. Os tempos são outros. Você não é mais o mesmo, Eu também não
sou. Para que falar dessas coisas que não voltam mais? Se uma neta da gente
ouve... Vai dizer de mim o quê?
-- “De mim o quê” é vício de linguagem. Não me
lembro do nome do vício, mas é vício. Mas não é disso que quero falar. Estou
ligando para a opinião de filhos, netos e vizinhos? Você nunca mais cantou
aquele refrão.
-- Nem vou cantar. Tenha compostura. Deixa a
safadeza pra lá. Somos velhos. Irene, nossa neta, tem ouvido de tuberculoso,
com o perdão da má palavra.
-- Então, canto eu.
-- Não faça isso.
-- Faço. Para matar a saudade.
E o Velho Marinheiro, então, passou a cantarolar – em
alto e bom som –, tocando uma sanfona imaginária,
tão imaginária quanto seu bicho de pé:
-- Isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom
demais. (julho 2013)
Nenhum comentário:
Postar um comentário