quinta-feira, 24 de outubro de 2013

NA BATIDA DE DOMINGUINHOS

-- Mafalda, aproveitando que estamos sós, coisa rara, eu quero lhe fazer uma pergunta: você se lembra daquela música nossa? – quis saber o Velho Marinheiro, nosso Lobo do Mar, caçador incansável de bichos de pés inexistentes.

-- Qual? Tivemos tantas, ao longo dos anos – tentou dissimular a amada do desbravador dos sete mares.

-- Da mais quente, não se faça de desmemoriada. Besta você não é. Conhece minhas melhores intenções.

-- Lembro, sim. Mas não digo. Aquilo já se foi. A gente era jovem. Os tempos são outros. Você não é mais o mesmo, Eu também não sou. Para que falar dessas coisas que não voltam mais? Se uma neta da gente ouve... Vai dizer de mim o quê?

-- “De mim o quê” é vício de linguagem. Não me lembro do nome do vício, mas é vício. Mas não é disso que quero falar. Estou ligando para a opinião de filhos, netos e vizinhos? Você nunca mais cantou aquele refrão.

-- Nem vou cantar. Tenha compostura. Deixa a safadeza pra lá. Somos velhos. Irene, nossa neta, tem ouvido de tuberculoso, com o perdão da má palavra.

-- Então, canto eu.

-- Não faça isso.

-- Faço. Para matar a saudade.

E o Velho Marinheiro, então, passou a cantarolar – em alto e bom som –, tocando uma sanfona  imaginária, tão imaginária quanto seu bicho de pé:


-- Isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom demais.  (julho 2013)

Nenhum comentário:

Postar um comentário