quarta-feira, 23 de outubro de 2013

SÓ DUAS GOTINHAS, DOUTOR

A música já nos ensinou que perdão foi feito pra gente pedir. Todo mundo também sabe que é melhor pedir que roubar, muito embora esta pareça ser uma prática mais lucrativa que aquela. Ao menos entre nós. Mas o exagero, sempre ele, a falta de critérios, sempre ela, costuma pôr tudo a perder. Como levar a sério um cidadão que vive pedindo desculpas pelos mesmos erros de sempre? Das duas, uma: ou o tipo é leso, ou despudorado.

Tenho pra mim que quem muito pede nada leva, além de torrar a paciência alheia. Ou seja: chora muito, mama pouco. Conheci um sujeito assim, radialista. Não sei se está vivo ainda. Era um pidão profissional. De nada adiantava lhe dizer:

- Infelizmente, não tenho como ajudá-lo.

A resposta vinha rápida, feito flecha, junto com a lista de pedidos:

- Você é que pensa. Sempre é possível ajudar um amigo.

Era invencível. Certa feita – eu não presenciei a cena, mas não tenho razões para duvidar de que não tenha ocorrido –, ele abordou o secretário de Estado que acabara de dar uma entrevista à rádio em que trabalhava. Pediu de tudo ao homem – de emprego para a filha a casa popular para a ex-mulher. Ante as sucessivas negativas, partiu para o penúltimo ataque:

- Tudo bem, doutor. Então, me arrume um cigarro.

- Eu não fumo, respondeu sua Excelência.

- E o que o senhor tem no bolso da camisa?

- Colírio.

- Preciso de duas gotas. Pode ser?





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