quinta-feira, 24 de outubro de 2013

E O VELHO MARINHEIRO FOI AO MÉDICO...

Mafalda não desgrudava os olhos da porta. Os ouvidos arruinados pela idade faziam esforços ingentes para ouvir o telefone que não tocava. Precisava mais do que nunca, com urgência, de notícias dele – do Velho Marinheiro, nosso lobo do mar, seu amor de uma vida inteira, desde o tempo de guria. Rezava, não dizia palavra. Mas o coração aflito berrava: “Volta!”.

A aflição de Mafalda era compreensível. Quem não se afligiria com a ida do ser amado ao médico, ainda mais tendo ele a idade que tem, tendo ele feito o que fez ao longo de uma vida inteira? E o que fez nosso lobo do mar ao longo de uma vida inteira? Trabalhou muito, fumou sem descontinuar, bebeu bons bocados, amou Mafalda como ninguém a amaria. “Meu velho, meu velho” – murmurava a musa do desbravador de mares, enquanto se comprometia com todos os santos que conhecia. Fez promessas impagáveis.

A aflição sem fim chegou ao fim: o Velho Marinheiro entrou na sala com sorriso maroto:

-- Esse médico que Irene me levou quase à força é porcaria feito os outros que conhecemos. Acho até que é cubano.  Já fui logo lhe dizendo: “Escute: nasci com um cigarro entre os dedos, bebo desde que vi o mar, aos oito anos, fiz sexo com muitas mulheres, muito embora Mafalda tenha sido a única que me interessou de fato. É meu amor. O resto foi passatempo, parque de diversão. Não gosto de verdura, não vou parar de fumar, não vou deixar de beber, caminhar só o necessário. E tem mais: de Mafalda não desgrudo. O que o senhor, filho de Hipócrates, pode fazer por mim? Se é nada, diga logo. O estacionamento está pela hora da morte”.

-- E o que ele lhe disse, meu velho birrento? – quis saber Mafalda. .

-- Ele me disse que, seu eu não mudasse, não poderia fazer nada. Ora, se é para não fumar, deixar de beber, andar feito tonto todos os dias, comer mato e beber três litros de água, não preciso de médico. 

-- Você voltou como foi: sem resolução.

-- De mim, cuido eu, Mafalda. Essas dores no peito são gases. Irene, minha neta querida, traga um LUFTAL para seu avô. Que ele vai botar pra fora o que lhe apoquenta. (julho/2013)


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