Mafalda não desgrudava os olhos da porta. Os ouvidos
arruinados pela idade faziam esforços ingentes para ouvir o telefone que não
tocava. Precisava mais do que nunca, com urgência, de notícias dele – do Velho Marinheiro,
nosso lobo do mar, seu amor de uma vida inteira, desde o tempo de guria.
Rezava, não dizia palavra. Mas o coração aflito berrava: “Volta!”.
A aflição de Mafalda era compreensível. Quem não se
afligiria com a ida do ser amado ao médico, ainda mais tendo ele a idade que
tem, tendo ele feito o que fez ao longo de uma vida inteira? E o que fez nosso
lobo do mar ao longo de uma vida inteira? Trabalhou muito, fumou sem
descontinuar, bebeu bons bocados, amou Mafalda como ninguém a amaria. “Meu
velho, meu velho” – murmurava a musa do desbravador de mares, enquanto se
comprometia com todos os santos que conhecia. Fez promessas impagáveis.
A aflição sem fim chegou ao fim: o Velho Marinheiro
entrou na sala com sorriso maroto:
-- Esse médico que Irene me levou quase à força é
porcaria feito os outros que conhecemos. Acho até que é cubano. Já fui logo lhe dizendo: “Escute: nasci com
um cigarro entre os dedos, bebo desde que vi o mar, aos oito anos, fiz sexo com
muitas mulheres, muito embora Mafalda tenha sido a única que me interessou de
fato. É meu amor. O resto foi passatempo, parque de diversão. Não gosto de
verdura, não vou parar de fumar, não vou deixar de beber, caminhar só o
necessário. E tem mais: de Mafalda não desgrudo. O que o senhor, filho de
Hipócrates, pode fazer por mim? Se é nada, diga logo. O estacionamento está
pela hora da morte”.
-- E o que ele lhe disse, meu velho birrento? – quis
saber Mafalda. .
-- Ele me disse que, seu eu não mudasse, não poderia
fazer nada. Ora, se é para não fumar, deixar de beber, andar feito tonto todos
os dias, comer mato e beber três litros de água, não preciso de médico.
-- Você voltou como foi: sem resolução.
-- De mim, cuido eu, Mafalda. Essas dores no peito
são gases. Irene, minha neta querida, traga um LUFTAL para seu avô. Que ele vai
botar pra fora o que lhe apoquenta. (julho/2013)
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