quinta-feira, 24 de outubro de 2013

TRAUMA NÃO SE DISCUTE

Foto: www.luzdaserra.com.br
-- Doutor, eu relutei muito para vir até aqui. Sou sincera: sempre achei essa coisa de análise  bobagem. Coisa de quem gasta uma fortuna para não resolver nada. Sou pragmática. Quero resultados. E rápidos. Neste mundo cada vez mais competitivo, não se pode perder tempo.

-- E por que resolveu vir agora?

-- Porque me dei conta de que, sozinha, infelizmente, já não sei lidar com meu trauma.

-- Estou aqui para ouvi-la, ajudá-la. Fale o que quiser. Sinta-se em casa.

-- Sou bem sucedida profissionalmente. Sou formada, pós-graduada, doutorada, calejada por cursos e mais cursos disso e daquilo. Falo várias línguas. Fluentemente. É difícil encontrar um assunto sobre o qual eu não tenha posições firmes, bem fundamentadas. Passei em vários concursos. Ascendi nos empregos por mérito, apenas e tão somente por mérito. Ganho muito bem, bota bem nisso. É que...

-- Que maravilha! É admirável encontrar uma pessoa como você, com tantas qualidades. Não entendo a razão de trauma, complexo ou algo parecido. 

-- O senhor sabe o que é passar a adolescência, a juventude e a idade madura sem nunca ter sido convidada para fazer um único teste do sofá, sem nunca ter sido chamada de “gostosa” na rua, sem nunca ter recebido um mísero assovio? Se o senhor não sabe, fique sabendo: é uma merda, doutor!  (março de 2013)




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