quarta-feira, 22 de novembro de 2017

POLÍTICA/OPINIÃO: GIL CASTELLO BRANCO

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No país há várias quadrilhas estruturadas
(ilustração: <http://www.fashionbubbles.com)

MOSCAS SEM ASAS

Assim como a Mãos Limpas, a Lava-Jato está ameaçada
desde quando as investigações atingiram as oligarquias política

Por Gil Castello Branco
O Globo – 21/11/2017

Após a votação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), lembrei-me de uma das composições do Skank: “Indignação”. (Veja vídeo abaixo) Diz o refrão: “Eu fiquei indignado, ele ficou indignado, a massa indignada, duro de tão indignado. A nossa indignação é uma mosca sem asas, não ultrapassa as janelas de nossas casas”.

De fato, pouca gente estava nas cercanias da Alerj e ninguém nas galerias, a não ser uns puxa-sacos do bando. Até a oficial de Justiça que tentou entregar um mandado para que o circo fosse público foi barrada. Em 17 minutos, 39 deputados restituíram o mandato de três colegas presos acusados por corrupção.

Em momentos assim, as vítimas são a Justiça, a democracia e a nossa esperança de viver em um país mais digno. Como dizia o educador Paulo Freire, “num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário”.

A população — tal como um lutador de boxe nocauteado após muito apanhar — ficou indiferente à votação, até porque já previa o resultado.

O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu a porta da impunidade aos políticos ao transferir para o Legislativo a decisão sobre o afastamento do senador Aécio, em noite que culminou com um voto atabalhoado da ministra Cármen Lúcia.

Nessa brecha, corruptos já voltaram à vida pública também no Rio Grande do Norte e em Mato Grosso. Caberá à Suprema Corte deixar claro se todo o Legislativo poderá cometer crimes e ficar impune ou se essa é uma prerrogativa exclusiva dos parlamentares federais. Por enquanto, pelo mesmo ralo onde passa um corrupto federal, passam quadrilhas estaduais. O esgoto é o mesmo.

A Lava-Jato mostrou que a corrupção brasileira não é apenas episódica, do tipo que existe em todos os países e é combatida com transparência, controle social e educação de qualidade.

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Ratos: eles estão por toda parte
Ilustração: Depositphotos

No país há várias quadrilhas estruturadas — que precisam ser extirpadas — compostas por políticos, agentes públicos e empresários, tendo como alvo negócios bilionários do Estado, sejam contratos, subsídios, isenções fiscais, concessões, financiamentos, autorizações tarifárias e tudo o mais que possa gerar propina.

No Rio de Janeiro, porém, o roubo foi potencializado a partir do momento em que políticos com interesses comuns passaram a ter domínio sobre o Estado, a prefeitura, a Alerj e, inclusive, o Tribunal de Contas. Assim, ficaram reunidos sob o mesmo comando quem legisla, contrata, executa, paga e fiscaliza, um verdadeiro paraíso para os corruptos.

Daí a importância de se alterarem as legislações que permitem o vaivém de políticos entre o Legislativo e o Executivo, bem como a composição dos tribunais de contas de forma a impedir a politização.

Mas tal como aconteceu com a operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália, a Lava-Jato está ameaçada desde quando as investigações atingiram as oligarquias políticas.

Assim, no Congresso está em curso a CPI da JBS, que tem como alvo principal o Ministério Público. Na Câmara, tramita o projeto de abuso de autoridade, que tenta constranger promotores e juízes. Outras propostas alteram a Lei da Ficha Limpa e impedem a delação de presos.

No STF, a qualquer momento pode ser rediscutida a prisão a partir da condenação em segunda instância e já existem objeções para homologação das delações premiadas. O foro privilegiado continua a ser um passaporte para a impunidade.

No Executivo, as designações da Procuradora-Geral da República e do diretor-geral da Polícia Federal geraram receios por terem contado com o apoio ou a indicação de investigados.



Ambos manifestaram preocupação com os “vazamentos”, enquanto a sociedade está preocupada é com maior publicidade. Em se tratando de homens públicos, é essencial termos conhecimento do inteiro teor das denúncias/delações, dos argumentos de defesa, da tramitação das ações e dos julgamentos.

Desde que a transparência não prejudique o aprofundamento das apurações, não há razão para sigilo.

Em alguns meses saberemos se as instituições estão realmente funcionando e atuando em defesa do Estado, ou se os brasileiros estão fadados a permanecerem comandados por uma corja de políticos sem escrúpulos que governa, legisla e indica ministros para tribunais superiores para que sirvam aos seus interesses.

Voltando ao Skank, precisamos ir além das moscas sem asas. Fazer com que a nossa indignação ultrapasse as janelas das nossas casas e chegue às ruas e às urnas. Tal como dizia Santo Agostinho, a esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas

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