segunda-feira, 21 de outubro de 2013

SÓ OS VALENTES SE CASAM

Naquele tempo era um porre de bebida ordinária, hoje não sei como é. Ninguém se casava na Igreja Católica sem ter feito um cursinho preparatório. Estou convencido de que o dito cujo não preparava ninguém para nada, muito menos para uma vida a dois, como se dizia. Seu objetivo era medir a paciência dos nubentes. Se conseguissem concluí-lo, estavam prontos para tudo. Até para almoçar na casa da sogra todos os domingos.

A duração do curso variava de igreja para igreja. Sabiá, mais por desligamento que por fé, escolheu o mais longo. Foram quatro sábados consecutivos de tortura. Os temas das palestras não me interessavam. Pelo visto não interessavam a quase ninguém. A turma, uns vinte casais, bocejava sem parar depois dos primeiros dez minutos de exposição. Os palestrantes eram de uma ruindade ímpar. Não diziam coisa com coisa. E ainda pretendiam ser engraçados. O que é sempre uma lástima. E eu com a garganta seca, porque ninguém vai a um lugar desses tocado.

Alimentei alguma fantasia em relação à última palestra. De todas, era a que abordava assunto mais palatável: economia doméstica. Não foram necessários mais que cinco minutos para que as ilusões virassem pó. O ilustre palestrante valeu-se de recursos tecnológicos para cativar a plateia: lousa, giz e apagador. O homem só trabalhava com percentuais. Pouco importava se um ganhava R$ 2 mil e o outro R$ 20 mil. Ali, éramos iguais na alegria e na tristeza: recebíamos 100%. Não sei se era adepto do socialismo real. Não me parecia tolo a tal ponto.

O homem começou, então, a enumerar as despesas e seus respectivos percentuais. Moradia: X%. Alimentação: Y%. Vestuário: Z%. No papel, ou melhor, na lousa, parecia que estávamos a caminho da felicidade absoluta. Sobravam até 10% ou 15% para a poupança. Quer mais o que, mano velho? É só dizer “sim” no altar e sair para o abraço.

Mas não estava tudo bem. Um gaiato percebeu que a soma das despesas dava 120%, sem levar em conta a tão desejada poupança. Ou seja: em vez de superávit primário, tínhamos um déficit grotesco. Avisado, o palestrante pegou o apagador e começou a fazer as correções. “Agora, sim”, disse ele. O gaiato não se deu por vencido. Somou uma vez, somou duas – e chegou à conclusão de que, apesar dos ajustes, a conta continuava não fechando. Suando em bicas, o palestrante partiu para uma nova rodada de acertos. Em vão. As despesas, agora, somavam 90% incluindo a poupança.

Morto de sede, como todos nós, e com medo de que os remendos continuariam até a manhã do domingo, o rapaz disparou:

- Agora, sim, mestre, está perfeito. Os 10% que faltam são para o dízimo, não são?

- Você é muito inteligente, perspicaz. É um abençoado. Nossos trabalhos estão encerrados.

E fomos aos copos. Certos de que não sobraria um tostão para a poupança. E para o dízimo. (março de 2013)


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