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O
fato ocorreu há 50 anos. Morávamos na periferia de São Paulo, casa boa para os
padrões locais. Rua sem asfalto. Em dias de chuva forte, ficava quase
intransitável, até para pedestres. Usávamos galochas. O pai trabalhava bastante, nunca rejeitava hora extra, mas ainda não conseguira comprar um carro, ia e vinha
de ônibus.
Numa
sexta-feira, chegou tarde do serviço, quase meia-noite. Mãe e avó preocupadas
com a demora, embora ela - a demora - não fosse novidade. Mal ele se sentou à mesa para
jantar, começou o inferno: cães vadios latiam ensandecidos ao redor da casa.
Nos dois lados e nos fundos, terrenos baldios. Vinha do telhado, um barulho
estranho, parecia de passos.
O
pai não teve dúvidas: é ladrão, ele vai descer pelas escadas que levam à área de
serviço e tentar entrar pela porta da cozinha. Teve, então, uma “ideia genial”.
Aquele homem, o pai, de fala mansa incorporou um tenor:
--
Mãe: traga o revólver – gritou ele para minha avó, que respondeu ainda mais
alto:
-- Filho: você está louco? Nunca tivemos armas em casa! Se tivéssemos, de nada adiantaria. Você não sabe atirar!
O pai teve vontade de matar a mãe.Quase
surtamos.
Minutos e orações depois, o barulho no telhado cessou. Os cães, assim como
chegaram, se foram - barulhentos. Uma pergunta nos atormentou por muito tempo:
--
O que faria um ladrão no telhado? Nossa casa, claro, não tinha chaminé.
(Orlando Silveira - Atualizado em novembro de 2018)
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