O fato de ser boa praça não impede ninguém de ser um chato de galocha
– para usar uma expressão moderna, do tempo em que moças de família não
“ficavam” (pelo menos era o que diziam para os pais). Quando muito, tiravam
linha.
Ele se encaixava perfeitamente naquele perfil: boa praça, chato de
galocha. Era amigo do pai, que o trouxe para trabalhar no escritório, onde eu
também marcava ponto, com má vontade evidente. Odiava números. Até hoje odeio,
minhas contas raramente fecham. Com o apoio do pai – apoio entusiasmado,
diga-se –, ele insistia para que eu enfileirasse aquela montanha de números, de
forma que não restassem dúvidas sobre quais eram os centavos, as centenas, os
milhares e os milhões. Uma tortura. Queria ser diretor de teatro. Dei em nada.
Quase todos os dias, almoçávamos juntos, numa pensão em frente ao
Shopping Iguatemi. Antes de sair, cumpria um de seus rituais prediletos: pegava
a flanela e tirava o pó inexistente dos sapatos. No “restaurante”, havia duas
mesas com seis cadeiras cada uma, se não me falha a memória. Era necessário
esperar um pouco. Às vezes, muito. Enquanto isso, nós e os outros assistíamos
ao noticiário esportivo.
Hora do rango. Arroz, feijão, salada e um bife para cada comensal. Ele
era o mais franzino de todos. Mas era sempre o primeiro a se servir. E escolhia
sempre, também, o bife maior, o que me matava de vergonha. Meu constrangimento
era evidente. Até que um dia ele me explicou sua lógica:
-- Ora, todo mundo, por educação, tende a não pegar o bife maior. Já
resolvo a parada logo de saída. Se ninguém vai pegar, pego eu. Ganha-se tempo.
Terminado o almoço, lá íamos nós dois de volta para o escritório. E
ele passava de novo a flanela nos sapatos e me aporrinhava para que
enfileirasse os números de maneira que ninguém tivesse dúvidas sobre quais eram
os centavos, as centenas, os milhares e os milhões.
(Publicada originalmente em 24/11/2013. Com o título "A lógica do Rubinho")
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