Foto: Arquivo Google |
Dona Fátima é senhora da mais alta qualidade: mãe prestimosa, esposa
dedicada, não reclama nunca da dupla jornada de trabalho. Além disso, é quituteira
de mão cheia. Seus salgados são muito apreciados no boteco do Vicente, seu
marido – sujeito boa praça, mas que anda, de uns tempos para cá, com os nervos
arruinados. Justamente por conta de dona Fátima. Quem diria?
A vida tem dessas coisas. De uma hora para outra, ela, que sempre
fora mulher de poucas palavras, desandou a falar, ou melhor, a pregar sem
parar. Para Vicente, essa mudança súbita de comportamento se deu a partir do
instante em que ela aderiu com entusiasmo estupendo a uma nova seita religiosa.
Temo pelo futuro do casamento, de quase trinta anos.
“Ela quer salvar o mundo e acabar com meu negócio, com nosso
sustento”, esbraveja Vicente. “Vamos viver de quê? De sua pregação contra a
uca? Onde, na minha idade, vou arrumar outra ocupação? Sempre tive boteco, não
sei fazer outra coisa na vida!”
Para quem não compreende sua ira, Vicente explica:
- Basta o sujeito encostar a barriga no balcão, para ela rasgar o
verbo: “Vai beber de novo? Não sabe que faz mal à saúde? Já fez a conta de
quanto gasta? Aposto que sua mulher não tem dinheiro para comprar um
chinelinho.” Se o freguês responde que ela não tem nada com isso, ela manda o
freguês beber em outro bar. Se o cidadão pede umas fichas de bilhar, ela
desatina de vez: “Credo! Além de beber, joga! E ainda tem que pagar cerveja,
porque perde todas as apostas”. Pode uma
coisa dessas? Não pode. Ainda mato esse bispo. Ou me desgarro de Fátima.
(Orlando Silveira –
atualizado em 21/11/2018)
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