quarta-feira, 21 de novembro de 2018

E O AMOR SAIU PELA JANELA - CENA XI

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Foto: Arquivo Google



Dona Fátima é senhora da mais alta qualidade: mãe prestimosa, esposa dedicada, não reclama nunca da dupla jornada de trabalho. Além disso, é quituteira de mão cheia. Seus salgados são muito apreciados no boteco do Vicente, seu marido – sujeito boa praça, mas que anda, de uns tempos para cá, com os nervos arruinados. Justamente por conta de dona Fátima. Quem diria?

A vida tem dessas coisas. De uma hora para outra, ela, que sempre fora mulher de poucas palavras, desandou a falar, ou melhor, a pregar sem parar. Para Vicente, essa mudança súbita de comportamento se deu a partir do instante em que ela aderiu com entusiasmo estupendo a uma nova seita religiosa. Temo pelo futuro do casamento, de quase trinta anos.

“Ela quer salvar o mundo e acabar com meu negócio, com nosso sustento”, esbraveja Vicente. “Vamos viver de quê? De sua pregação contra a uca? Onde, na minha idade, vou arrumar outra ocupação? Sempre tive boteco, não sei fazer outra coisa na vida!”

Para quem não compreende sua ira, Vicente explica:

- Basta o sujeito encostar a barriga no balcão, para ela rasgar o verbo: “Vai beber de novo? Não sabe que faz mal à saúde? Já fez a conta de quanto gasta? Aposto que sua mulher não tem dinheiro para comprar um chinelinho.” Se o freguês responde que ela não tem nada com isso, ela manda o freguês beber em outro bar. Se o cidadão pede umas fichas de bilhar, ela desatina de vez: “Credo! Além de beber, joga! E ainda tem que pagar cerveja, porque perde todas as apostas”.  Pode uma coisa dessas? Não pode. Ainda mato esse bispo. Ou me desgarro de Fátima.

(Orlando Silveira – atualizado em 21/11/2018)


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