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Devo muito, muito mesmo, à minha madrinha. Não tenho como pagá-la pelo que fez
por mim. Sinto muita saudade dela, mais que de minha mãe.
- Ela criou você, não foi?
- Fez mais que isso, amiga. Ela me abriu as portas do mundo, me deu – como se diz
– régua e compasso. Madrinha me ensinou desde cedo ganhar a vida, ser
independente e, claro, saber cobrar. Sem ela, estaria lascada. Seria, no
máximo, professorinha da rede pública, com seu salário mixuruca. Deus me livre!
Não sei como essa gente suporta. Levo uma baita vida.
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Ela lhe ensinou muita coisa, não é?
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Muita mesmo. Ainda guria, aprendi cruzar as pernas e mostrar o que deve ser
mostrado a quem possa se interessar pelo que vê. Com descrição, claro, para não
baratear a mercadoria. Dou prazer. Mas cobro caro. Minha vida é um luxo. Agora,
você insiste em ser pobre... Que posso fazer?
GUMERCINDO
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Doutora: quero porque quero minha grana de volta. Chega.
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Enlouqueceu?
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Acho que sim. Dez anos perdidos – estirado no seu divã, feito lagartixa. Dez
anos em vão. Melhorei nadinha de nada... Gastei fortuna, com você e sua
psicologia furada. Você me fez muito mal. Você me dizia “dê” sem culpa, você me
dizia “relaxa e goza”. Parceiros generosos não se acham assim. Dei. Dei muito. Acabei
com o dinheiro miúdo da aplicação, a poupança foi pro brejo, era pouco
dinheiro, mas o dinheiro era meu. Agora, você me vem com essa – que eu preciso
ter juízo, ser responsável e menos festeiro, onde já se viu gastar tanto com
tantos homens?
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Quer me comer, Gumercindo?
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Ordinária. Quero meu dinheiro de volta.
(ORLANDO SILVEIRA - Atualizado em novembro de 2018)
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