Foto: arquivo Google |
O homem estava irreconhecível. Há
quinze dias, Ceará não pitava, não bebia uca, não jogava no bicho. Tratava a
mulher com deferência total. O filho pequeno e único lhe fazia de gato e sapato.
E ele ria, sorria. Parecia mais avô que pai. Transformara-se num homem de fé.
Domingo à tarde. Ceará se plantou na
porta do bar. Cumprimentou todo mundo como sempre – com aquele rosnar quase
indecifrável, sua marca registrada. Era um cavalheiro, embora rude. Rejeitou
todas as propostas para tomar uma. Todos estranharam. Olhava ansioso para o
começo da rua. O carro do pastor, seu chefe, não chegava. Não chegava nunca.
Demora imperdoável para aquela alma em vias de conversão, mas ainda vacilante.
Ia perder o culto.
Passou meia hora, passou hora e meia.
Ceará pediu um cigarro a um conhecido.
Impaciente, resolveu degustar uma,
com a licença do pastor. Ninguém é de ferro. Resolveu comprar fósforos e um
maço de cigarros do Paraguai. O pastor não vinha. Para arredondar o troco,
entornou mais duas. E nada do pastor, que só apareceu no fim da noite.
Àquela altura, o dízimo estava
dizimado. E Ceará sem forças para orar e louvar o Senhor, como convém a todo
recém-convertido.
Mas o pastor, compreensivo, consciente
de seu atraso, não deixou a alma penada em vão:
-- Ceará: não esquenta, não. Amanhã, também
tem culto. Não esqueça o cartão do banco. É dia de pagamento. Tome mais uma. Eu
pago. Em nome de Jesus, te perdoo.
(Orlando Silveira - Atualizado em 11/11/208)
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(Orlando Silveira - Atualizado em 11/11/208)
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