sábado, 10 de novembro de 2018

QUASE HISTÓRIAS: A CONVERSÃO DE CEARÁ

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Foto: arquivo Google

O homem estava irreconhecível. Há quinze dias, Ceará não pitava, não bebia uca, não jogava no bicho. Tratava a mulher com deferência total. O filho pequeno e único lhe fazia de gato e sapato. E ele ria, sorria. Parecia mais avô que pai. Transformara-se num homem de fé.

Domingo à tarde. Ceará se plantou na porta do bar. Cumprimentou todo mundo como sempre – com aquele rosnar quase indecifrável, sua marca registrada. Era um cavalheiro, embora rude. Rejeitou todas as propostas para tomar uma. Todos estranharam. Olhava ansioso para o começo da rua. O carro do pastor, seu chefe, não chegava. Não chegava nunca. Demora imperdoável para aquela alma em vias de conversão, mas ainda vacilante. Ia perder o culto.

Passou meia hora, passou hora e meia. Ceará pediu um cigarro a um conhecido.

Impaciente, resolveu degustar uma, com a licença do pastor. Ninguém é de ferro. Resolveu comprar fósforos e um maço de cigarros do Paraguai. O pastor não vinha. Para arredondar o troco, entornou mais duas. E nada do pastor, que só apareceu no fim da noite.

Àquela altura, o dízimo estava dizimado. E Ceará sem forças para orar e louvar o Senhor, como convém a todo recém-convertido.

Mas o pastor, compreensivo, consciente de seu atraso, não deixou a alma penada em vão:

-- Ceará: não esquenta, não. Amanhã, também tem culto. Não esqueça o cartão do banco. É dia de pagamento. Tome mais uma. Eu pago. Em nome de Jesus, te perdoo.

(Orlando Silveira - Atualizado em 11/11/208)

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