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O pai sempre foi especial, educado demais,
jamais colocou os palavrões que sabia da boca para fora. Generoso, inverteu a
lógica do mercado: o prestador de serviços não precisava lhe fazer mesuras,
cumprir com suas obrigações. Sempre foi grato a todos, homem bom. Quase tolo,
de tão bom. Por conta disso, o pai não perdeu o pescoço por pouco.
Desde sempre, a família de Giggio viveu da nobre arte de cortar
cabelos, fazer barbas. (As mulheres da família partiram para o caminho da
depilação.) O salão mudava de lugar... O pai ia atrás.
O pai de Giggio morreu.
Os tios também não comeram castanhas naquele Natal do fatídico ano de 1973.
Giggio partiu para o negócio próprio, sem pai, sem tios. Alugou novo espaço,
abriu novo salão. O pai virou freguês.
O problema é que Giggio tomava todas – e mais
algumas. Mas o pai ia atrás dos velhos prestadores de serviço, fiel aos costumes, às tradições. Um dia o pai foi cortar o cabelo que lhe restava e aparar a barba
rala. Giggio pegou a navalha. Ela fremia mais que arma de Lampião da Vila
Invernada. E Giggio falou:
-- Vou tomar uma, para equilibrar a marcha lenta, volto logo, fique
aí.
A sabedoria silenciosa falou mais alto. O pai deixou o dinheiro da barba e do cabelo, mais um tanto de caixinha, sob a
navalha. Nunca mais voltou ao Giggio.
Salvou o pescoço.
(Orlando Silveira - Atualizado em novembro de 2018)
(Orlando Silveira - Atualizado em novembro de 2018)
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