quinta-feira, 22 de novembro de 2018

QUASE HISTÓRIAS: A NAVALHA DE GIGGIO

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O pai sempre foi especial, educado demais, jamais colocou os palavrões que sabia da boca para fora. Generoso, inverteu a lógica do mercado: o prestador de serviços não precisava lhe fazer mesuras, cumprir com suas obrigações. Sempre foi grato a todos, homem bom. Quase tolo, de tão bom. Por conta disso, o pai não perdeu o pescoço por pouco. 

Desde sempre, a família de Giggio viveu da nobre arte de cortar cabelos, fazer barbas. (As mulheres da família partiram para o caminho da depilação.) O salão mudava de lugar... O pai ia atrás. 

O pai de Giggio morreu. Os tios também não comeram castanhas naquele Natal do fatídico ano de 1973. Giggio partiu para o negócio próprio, sem pai, sem tios. Alugou novo espaço, abriu novo salão. O pai virou freguês. 

O problema é que Giggio tomava todas – e mais algumas. Mas o pai ia atrás dos velhos prestadores de serviço, fiel aos costumes, às tradições. Um dia o pai foi cortar o cabelo que lhe restava e aparar a barba rala. Giggio pegou a navalha. Ela fremia mais que arma de Lampião da Vila Invernada. E Giggio falou:

-- Vou tomar uma, para equilibrar a marcha lenta, volto logo, fique aí.

A sabedoria silenciosa falou mais alto. O pai deixou o dinheiro da barba e do cabelo, mais um tanto de caixinha, sob a navalha. Nunca mais voltou ao Giggio. 

Salvou o pescoço. 

(Orlando Silveira - Atualizado em novembro de 2018)



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