De segunda a sexta-feira, das 8 horas ao meio-dia, dezenas de pessoas dirigem-se ao consultório do “doutor” Edson – o dentista mais frequentado da Vila Invernada e região. As filas não chegam a dobrar o quarteirão, mas ocupam ao menos metade dele. Tamanha movimentação contrasta com a aparência do doutor e com a de seu consultório – ambas desleixadas, para falar o mínimo.
Morador
recente da Vila Invernada, cuja casa fica em frente ao consultório, Miranda
também se indignava com a rapidez do atendimento. O paciente não esquentava
cadeira. Segundo seus cálculos, o doutor não gastava mais de dez minutos com
cada um. O que o levou a concluir que estava ante um profissional de rara
competência. Até porque todos, sem exceção, saiam dali com cara de alívio, sorriso
estampado no rosto, sem sinal de dor.
Certo
dia, Miranda foi ao bar do Carneiro tomar café e comprar cigarros:
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Seu Carneiro: preciso de uma informação. Necessito fazer um tratamento
dentário. É coisa pouca. Na verdade, quero trocar as dentaduras, porque estas
já deram o que tinham que dar. Estou impressionado com quantidade de pacientes do
doutor Edson. Mais ainda com a rapidez com que ele soluciona os problemas dos
clientes. Ele é careiro?
Carneiro
esquivou-se, como convém aos velhos comerciantes:
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Não sei lhe dizer, nunca me tratei com ele.
Sentado
com Ananias – seu companheiro de copo e de prosa – à mesa perto do balcão, o
Velho Marinheiro não se conteve:
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Não sou homem de me intrometer na conversa dos outros. Mas não posso me calar
ante um caso como o seu. Trata-se de uma questão humanitária, de saúde. Já vi que o
senhor se mudou há pouco para cá. Onde esse tal de “doutor” Edson comprou o
diploma – se é que ele tem mesmo o canudo – ninguém sabe.
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Então, ele é um charlatão? – quis saber o morador novato.
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Ponha charlatão nisso. Ele vive – e está rico – é de vender atestado médico. Pela
quantidade de pessoas que ali comparecem, diariamente, o senhor conclui que, no país,
os vagabundos abundam. Às vezes, ele arranca um dente ou outro dos incautos. Tolos não nos faltam. Mas, quando ele extrai um dente, a hemorragia é certa. Melhor o senhor ficar com suas pererecas arruinadas ou
arrumar outro dentista.
(Orlando Silveira - atualizado em novembro de 2018)
(Orlando Silveira - atualizado em novembro de 2018)