Imagem: Reprodução WhatsApp |
ODEIO CORRETOR AUTOMÁTICO
Preciso estar atento a cada letra digitada.
Qualquer distração pode estragar uma amizade
Por Walcyr Carrasco
Época Digital
06/02/2018 - 08h00
Todas vezes em que compro um novo
computador, na instalação, imploro:
– Tire o corretor automático e as
atualizações.
Adianta? É preciso entrar no
cérebro da máquina para arrancar o corretor. As atualizações, nem se fala. É
impossível sumir com elas. Pior: seu método de marketing é o terror. Recebo
avisos do tipo: “Este computador está em risco. Atualize e reinicie”. Pior. Vou
iniciar o trabalho. Surge na tela o aviso: “Este computador está sendo
atualizado. Não desligue”. Óbvio, não quero desligar. Quero atirar pela janela.
Tenho e-mails urgentes a responder. Trabalhos. Mas aguardo enquanto o programa
roda, roda, roda. Em uma dessas atualizações, de repente meu computador ficou
com o Windows 10. Que me desculpem, mas é... Gostava do 7. Agora não consigo
mais nem abrir uma pasta nova. Mas eu não havia entendido que mudariam o
programa. Parecia uma atualização urgentíssima. Fora as de segurança, também
sempre ameaçadoras. Uso o computador para escrever. Tenho um programa próprio
para fazer roteiros. Impossível entender por que, de repente, ele se rebela. Em
meus textos, com frequência há personagens caipiras, que falam errado. Vem o
corretor e transforma o texto em algo absolutamente inexplicável. No celular é
horrível. Às vezes, torna-se vergonhoso. Outro dia trocava WhatsApp com um
conhecido.
– Estou impaciente – escrevi, me
referindo a um possível trabalho.
O corretor rapidamente “corrigiu”.
Não percebi. E lá se foi a mensagem:
– Estou impotente.
Depois de um silêncio constrangido,
a resposta:
– Já tentou as pílulas?
O corretor atacou. Recebi:
– Já tentou as vírgulas?
No susto ele deve ter trocado “p”
por “v” e deu nisso. Reli, percebi a troca de palavras. Tentei explicar.
– Eu não quis dizer que estou
impotente.
Lógico, o corretor agiu. E foi:
– Eu não quis dizer que estou
indecente.
Solidário, meu amigo quis me
fortalecer. Respondeu, como descobri depois:
– Tem jeito de solucionar o
problema.
E veio, após o corretor:
– Tem peito de selecionar o
esquema.
– Eu tenho de ter peito pra quê? O
que devo selecionar, que esquema? – assustei-me.
– Você aproveite bem o sistema, que
pro peito tem jeito.
– Não quis dizer que estou
impotente, mas impaciente.
– Imagino que quem está impaciente
é sua namorada.
– Não tem segredo nenhum, a culpa é
do corredor.
Eu queria dizer corretor, mas...
– Tem algum corredor no meio da
história?
– Não disse corredor, mas condutor.
– Condutor de ônibus? Metrô? Não
sabia dessa história, mas sou discreto, não se preocupe.
– CORRETOR! CORRETOR! CORRETOR
AUTOMÁTICO!
– Sei, sei...
Em toda editora de livros,
revistas, jornais, os revisores têm importância vital. Sempre tive vontade de
esganá-los, um por um. Ocorre que gosto de escrever no coloquial, usando “pra”,
por exemplo. Ou contorcendo as frases para tirar os “lhe”. Revisores caçam
“pra” e “lhe” com a fúria de inquisidores atrás de bruxas. Assim, se eu boto um
garoto de 9 anos dizendo:
– Vou pra casa do meu amigo levar
um presente pra ele.
Ferozmente, o revisor corrige:
– Vou para a casa de meu amigo
levar-lhe um presente.
Alguém já viu um menino de 9 anos
falar assim? Não há argumento para convencer revisores do contrário. Mas o
corretor automático é pior. Não é possível ligar e argumentar:
– Senhor corretor automático, eu
não quis dizer que caímos na lama, mas, sim, na cama.
Há uma boa diferença entre cair na
lama ou na cama, concordam? O corretor automático não tem olhos nem ouvidos.
Corrige, e tenho de estar atento a cada palavra de cada mensagem. Um instante
de distração, uma letra mal digitada e se digo “você estava muito elegante”,
sai “estava um purgante”. O que era amizade se transforma em ódio.
Eu espero que em um futuro próximo
as empresas de informática e de celulares percebam que há um grande número de
pessoas desejosas de simplicidade. Eu queria um computador, como tantos que já
tive, em que simplesmente pudesse anular as atualizações automáticas. Conseguir
que o corretor me deixe escrever como as pessoas falam, e não em um português
castiço. Ao contrário, cada vez mais sou obrigado a enfrentar máquinas
sofisticadas. Não duvido que o próximo modelo de celular se transforme até em
asa-delta. Mas eu só quero falar, trocar mensagens, bem simples, sem correr o
risco de perder amigos. Mesmo porque agora a turma anda comentando que estou
impotente. E não adianta argumentar que a culpa é do corretor automático.
***
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