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CARTAS
DE MEU AVÔ
A tarde cai, por demais
A tarde cai, por demais
Erma,
tímida e silente…
A
chuva, em gotas glaciais,
Chora
monotonamente.
E
enquanto anoitece, vou
Lendo,
sossegado e só,
As
cartas que meu avô
Escrevia
a minha avó.
Enternecido
sorrio
Do
fervor desses carinhos:
É
que os conheci velhinhos,
Quando
o fogo era já frio.
Cartas
de antes do noivado…
Cartas
de amor que começa,
Inquieto,
maravilhado,
E
sem saber o que peça.
Temendo
a cada momento
Ofendê-la,
desgostá-la,
Quer
ler em seu pensamento
E
balbucia, não fala…
A
mão pálida tremia
Contando
o seu grande bem.
Mas,
como o dele, batia
Dela
o coração também.
A
paixão, medrosa dantes
Cresceu,
dominou-o todo.
E
as confissões hesitantes
Mudaram
logo de modo.
Depois
o espinho do ciúme…
A
dor… a visão da morte…
Mas,
calmado o vento, o lume
Brilhou,
mais puro e mais forte.
E
eu bendigo, envergonhado,
Esse
amor, avô do meu…
Do
meu – fruto sem cuidado
Que,
ainda verde, apodreceu.
O
meu semblante está enxuto
Mas
a alma, em gotas mansas,
Chora,
abismada no luto
Das
minhas desesperanças…
E
a noite vem, por demais
Erma,
úmida e silente…
A
chuva, em pingos glaciais,
Cai
melancolicamente.
E
enquanto anoitece, vou
Lendo,
sossegado e só,
As
cartas que meu avô
Escrevia
a minha avó.
***
***
Manuel Bandeira (1886, Recife, PE - 1968, Rio
de Janeiro, RJ) foi um poeta brasileiro. "Vou-me Embora pra
Pasárgada" é um dos seus mais famosos poemas. Foi também professor de
Literatura, crítico literário e crítico de arte. Os temas mais comuns de sua
obra são: a paixão pela vida, a morte, o amor e o erotismo, a solidão, o
cotidiano e a infância. Foi um dos maiores representantes da primeira fase do
Modernismo. FONTE:
EBIOGRAFIA
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