O
BIFE ASSASSINO
IMAGEM: INTERNET
Morrer
é sempre triste. Morrer cedo é coisa mais triste ainda. Morrer cedo por orgulho
e timidez é coisa que só um animal como eu pode produzir. Tinha 20 anos, faz
tempo, quando a desgraça aconteceu. Só não fui para o inferno porque Deus é
pai. E me deu forças para arremessar o bife para o outro lado da rua. Um berro salvou
minha vida.
Cheguei
à festa, de trem, levado por terceiros. Penetra. Estava bonitão que só. Do tipo
poeta comedor, embora sem nenhum verso. Bata, calça jeans bacana, tamanco de
couro cru. Uns penduricalhos no pescoço, outros nas mãos. Um sucesso,
alimentado pelos cabelos vastos e lisos, levemente revoltos. Tinha tudo para
dar certo, pegar uma carente, namoricar, coisa boa namoricar. Qual o quê. Sai
de lá pior que cão vadio. Escorraçado. Tudo por conta de um bife no meio do
pão.
Voltemos
ao cenário da tragédia, da qual, ainda que involuntariamente, fui o grande
protagonista. Eu aceitava o chope no copo de plástico. E rejeitava a maçaroca que
se fingia de bife no meio do pão. Até que não deu mais. Muito a contragosto,
para não fazer desfeita à mãe do aniversariante, este pobre diabo aceitou o
sanduíche. De nervos.
Não
demorei a perceber o tamanho do problema. Ou melhor: eu não tinha noção alguma
da encrenca que estava por vir. Dei a primeira dentada. Peguei a parte mais
sólida do nervo. Dei outra. Fui avançando com os dentes de tal forma que,
quando me dei conta, estava com uns trezentos e cinquenta gramas de nervos na
boca. Pensei comigo mesmo: o jeito é mascar, mascar, mascar. Masquei o que
pude. A dor insuportável nas mandíbulas me levou ao salto mortal: resolvi
engolir o feixe de nervos. Depois tomo um laxante, pensei. Engasguei. O ar
começou a sumir. O bife não ia nem vinha. O pãozinho virou filão, sem recheio.
O chope fremia no copo de plástico. O banheiro fechado. Não havia nada por
perto onde pudesse repousar a então bisnaga e o copo de chope, a essa altura,
sem chope. Como enfiar os dedos na garganta e trazer à luz o bife malsão?
Trôpego, à beira da morte, fui à varanda. Fiz força. O
feixe de nervos atravessou a rua, acompanhado de um berro medonho. Da cena
patética, só me lembro de uma frase proferida pela mais bonitinha da festa:
--
Nosso, que porco! Ele está vomitando!
O
porco era eu! Naquele dia, não teve namorico, amassos nem pensar. Até hoje, lamento não ter
assassinado a velha que me ofereceu aquela desgraça. De lá pra cá, juro, nunca mais comi churrasco no pão. Tenho
meus motivos, pois não? (OS - 2013)
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