A HORA DE MORRER
Nenhuma morte deveria
ser antecipada. Ninguém merece. Deveríamos morrer assim, no fim da vida,
dormindo, sonhando, apagando-se suavemente como uma chama que se autoconsome. A
morte antecipada sempre é brutal. Como tudo na vida, possibilita interpretações
várias, dependendo da síntese ideológica ou filosófica do observador.
Do mesmo modo, a morte
antecipada é sempre uma traição, pois nega a crença de que possamos ter algum
controle sobre algo, mesmo que esse algo sejam as nossas próprias vidas. No
jogo de forças incompreensíveis e poderosas que regem o universo, somos
partículas atômicas diminutas, sujeitas às intempéries do acaso (ou do caos).
Na nossa mente animal,
porém, alimentamos a ideia de que a morte é algo a ser superada e anulada.
Vivemos a ilusão de que caminhamos para um nível de conhecimento onde isso será
possível. Afinal somos filhos e feitos à semelhança de Deus. E se a ele foi
dado o direito de criar e administrar o mundo, demiurgo cósmico que é, por não
será assim também com os seus filhos?
A angústia de um dia
superar a morte, termina por se transformar, para nós humanos, em um sentimento
maior do que a angústia por medo da própria morte. Já não admitimos mais que
exista uma hora certa para morrer. O pensamento transborda, desliga-se da base
material e perde o senso da realidade. Um verdadeiro delírio.
Assim, quando o trágico
ressurge em nossos caminhos e antecipa um desfecho qualquer em qualquer uma das
vidas por nós conhecidas, voltamos a nos indagar e a vacilar diante do fato
inevitável e incontornável.
Voltamos a ter a
percepção de que continuamos a ser uma poeira cósmica, sem eira nem beira, a
mercê do que o destino, ou outra qualquer conjunção de forças incompreensíveis
para nós, preparou. Percebemos que as forças da natureza são tão gigantescas e
incontroláveis que voltamos a entrar em pânico. Não existe saída racional para
a morte, do mesmo modo como não nos foi dada nenhuma escolha sobre a
possibilidade de vivermos ou não. De repente, abrimos os olhos e tomamos
consciência de que existíamos em um mundo que precisava ser traduzido. O nosso
esforço vital, assim, passa a ser o exercício da sobrevivência do indivíduo
para perpetuar-se a sobrevivência da espécie. De repente, fecharemos os olhos e
seremos deslocados para outra dimensão existencial, onde, talvez, necessitemos
de um outro aprendizado para uma nova sobrevivência, até que haja uma nova
consumação.
Mas, para falar a
verdade, nem mesmo disso temos certeza alguma. São puras conjecturas do nosso
condicionamento racionalista. Por isso, a necessidade de voltarmos a confabular
conosco mesmo em busca de um entendimento mais tranquilizador e que nos permita
entrar em sintonia com um ritmo adequado de pulsação cósmica.
Somos e seremos sempre
uma poeira cósmica na infinitude do universo.
Recife, 2014
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