RAINHAS DO RÁDIO: O DEDO DE CHATEAUBRIAND
Revelada em 1949 no programa Papel Carbono, de Renato Murce, na rádio Nacional do Rio de Janeiro, a personagem de hoje foi eleita Rainha do Rádio em 1956
Como os amigos leitores tiveram a oportunidade de acompanhar vimos demos início ao olongo da semana passada a uma série que abordará cada um dos nomes das dez rainhas do rádio existentes na áurea época da radiofonia brasileira entre as décadas de 1930 e 1950. Para ser mais exato ao longo de 21 anos, de 1937 até 1958 quando foi eleita a última rainha Julie Joy, nome abordado na primeira matéria da série abordada durante a semana passada. A disputa era acirrada e ao final, na coroação, havia uma verdadeira festa com direito a coroa, cetro e homenagens onde quer que fossem. O concurso para a escolha da Rainha do Rádio era promovido pela ABR – Associação Brasileira do Rádio e em determinado momento passou a ser comandado, também, pela “Revista do Rádio”, fundada em 1948 por Anselmo Domingos. Vale registrar que tal concurso surgiu com objetivos filantrópicos em 1936, quando a ABR resolveu arrecadar fundos para a construção de um hospital destinado a abrigar seus associados. Neste primeiro momento os votos eram vendidos e posteriormente a “Revista do Rádio” publicava os cupons de votação que, recortados e preenchidos, eram colocados nas urnas para o cômputo final. Nesse período não havia venda de votos; o custo era apenas o preço de capa da revista. Era comum o disse-me-disse ao longo dos períodos eleitorais e algumas campanhas eleitorais foram bastante tumultuadas, como por exemplo a da cantora que hoje vamos destacar.
Em 1956, aconteceu algo inusitado na eleição daquele ano que corroborou de modo bastante intenso para o descrédito do concurso que anos passados era motivo para intensa rivalidade entre os fãs das concorrentes. Assis Chateaubriand, na época talvez o maior empresário das telecomunicações e dono das Emissoras de Rádio Associadas, resolveu eleger como sua protegida a cantora Adelina Dóris Monteiro. Até aí tudo bem, o problema era que a cantora carioca não ia nada bem na votação, mesmo com muitos fãs aderindo ao método do recorta cupom, preenche cupom e coloca na urna.
Dóris, que começou a cantar ainda adolescente, chegou a participar em 1947 do programa "Papel carbono", de Renato Murce e em dado momento de sua carreira teve como seu padrinho artístico o também cantor Alcides Gerardi (foi o cantor e compositor gaúcho que a apresentou ao radialista Almirante, então diretor da Rádio Tupi à época, e que propiciou a Dóris participar de um teste para cantora na emissora ao qual foi aprovada e a partir daí começou a participar dos seus programas musicais chegando a passar oito anos em seu casting). Quando ainda estudante do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro foi convidada a cantar na Rádio Guanabara (pertence a grupo Bandeirantes de Comunicação) ganhando aos poucos a devida notoriedade passando a atuar também em casas noturnas e boates, dentre elas uma do Copacabana Palace Hotel, uma das mais conceituadas do país na época.Na década de 1950 ganhou projeção nacional ao realizar a sua primeira gravação, registrando em 78 rpm, a canção "Se você se importasse"; sendo eleita, em 1952, Rainha dos Cadetes e gravando o seu primeiro LP "Vento soprando" pela gravadora Continental em 1954, ganhando destaque as faixas "Graças a Deus" (Fernando César) e "Joga a rede no mar" (Fernando César - Nazareno de Brito). Ainda nesta mesma década gravou uma das músicas mais marcantes do seu repertório, a canção "Mocinho Bonito", de autoria de Billy Blanco e, em 1955, foi uma das estrelas da TV Tupi (emissora carioca dos Diários Associados, de propriedade do paraibano Assis Chateaubriand) apresentando um programa que levava seu nome.
Integrante do casting de sua emissora de TV, Chateaubriand ordenou: Dóris Monteiro têm que ganhar! No entanto esta tarefa seria complicada aquela altura do concurso, uma que vez a cantora não tinha uma significativa quantidade de votos. Para se ter uma ideia na véspera da apuração final os votos da cantora carioca não davam nem para ela sonhar em ser princesa.
No dia que antecedia o resultado final Chatô, como era conhecido Chateaubriand, chamou a sua sala o então tesoureiro dos Diários Associados e deu-lhe uma ordem:
- Consiga 5 milhões de cruzeiros, e agora!
Seria um pedido a ser atendido sem adversidades se este não tivesse sido feito a noite, no horário em que os bancos encontram-se fechados (vale ressaltar que estamos falando de 1956 e que naquela época nem imaginava-se a criação e utilização de caixas eletrônicos).
A alternativa encontrada foi recorrer a um magazine carioca que anunciava no “O Jornal”, de propriedade também do magnata paraibano. Dinheiro na mão, veio o restante da instrução para o tesoureiro, como conta Fernando Morais no seu livro “Chatô, o Rei do Brasil”, da Editora Cia. Das Letras:
“Mande comprar tudo em Revista do Rádio e ponha o pessoal da redação (de O Jornal) a preencher o cupom com o nome da dona Dóris. E tem que ser já, porque as urnas fecham à meia-noite.” O tesoureiro coçou a cabeça e fez ver ao chefe que a revista custava 5 cruzeiros. Com 5 milhões dava para comprar um milhão de exemplares, o equivalente a 5 edições da revista. E para passar das favoritas, Bárbara Martins com 160 mil votos, e Julinha Silva, com 70 mil, seria necessário preencher mais de 100 mil cupons, algo irrealizável.
Então Chatô mostrou o quanto era poderoso:
“Então o senhor leve este dinheiro ao Manoel Barcelos da ABR e ao Anselmo Domingos da Revista do Rádio e diga que eu compro todo o encalhe da revista acumulado desde que começou o concurso deste ano. E não precisa mandar ninguém preencher nenhum cupom. Diga que aqueles votos devem ser considerados para dona Dóris.”
Na apuração final Dóris Monteiro obteve 875.605 votos!
A primeira princesa, Bárbara Martins, ficou com 161 mil e Julinha Silva recebeu a faixa de segunda princesa, com 76 mil votos.
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