SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI
É difícil imaginar o
compositor Caetano Veloso, hoje rico e aburguesado, na televisão, cantando a
marchinha “Boas Festas” com um revólver apontado para a sua própria cabeça. Em
1968, o Movimento Tropicalista era assim: radical, agressivo, atentando contra os
chamados bons costumes culturais.
O programa Divino
Maravilhoso, lançado na TV Tupi em outubro daquele ano, foi tirado do ar um mês
depois. A televisão brasileira não estava preparada para ver aquele desbunde.
Os serviços de segurança da ditadura militar, no entanto, já vinham de olho nas
revoluções dos baianos.
A gota d'água foi o
show montado na Boate Sucata, no Rio de Janeiro, com o título de “Seja
marginal, seja herói”. Segundo o jornalista Ricardo Alexandre, em matéria
publicada no site da revista Super Interessante, espalhou-se que durante o show
Gil e Caetano esculhambavam com o Hino Nacional Brasileiro. Segundo a
Wikipédia, durante o espetáculo, compôs o cenário uma bandeira criada pelo
artista plástico Hélio Oiticica com a inscrição “Seja marginal, seja herói”,
com a imagem do traficante carioca Cara-de-Cavalo, que havia sido assassinado
de forma violenta pela polícia carioca. Os donos do poder na época, os
militares da ditadura, alegaram ainda que Caetano Veloso havia cantado o Hino
Nacional de forma desrespeitosa, incluindo na letra versos desabonadores às
Forças Armadas. Foi o suficiente para o show ser suspenso e os baianos serem
presos e, posteriormente, exilarem-se na Inglaterra.
Foi por esse viés,
camaradas, que o Tropicalismo chegou a Pernambuco e confrontou-se com o
Movimento Armorial de Ariano Suassuna, que defendia a tradição cultural
medieval brasileira e as armas e os brasões assinalados. Sinceramente, não
havia como conciliar tudo isso em terras da pernambucália. Muito mais do que um
confronto cultural, o conflito foi ideológico e político e se refletiu em
atitudes do dia a dia de ambos os lados.
CLÓVIS CAMPÊLO |
Assim, enquanto mestre
Ariano Suassuna aceitava ocupar cargos públicos em governos biônicos da
ditadura militar, encontrávamos Jomard Muniz de Brito, Aristides Guimarães e
Celso Marconi, os principais arautos do Movimento Tropicalista paroquiano, nas
passeatas de protesto e em outras atividades contestatórias, como o enterro do
Padre Henrique, assessor direto do arcebispo Dom Hélder Câmara, brutalmente
assassinado pelas forças da repressão. Era esse o contexto, era essa a
diferença.
Era do Brasil do “Ame-o
ou deixe-o”. As divisões eram nítidas, não havia espaço para indefinições ou
dúvidas.
Hoje, passados mais de
quarenta anos, parece-nos que tudo isso já foi devidamente digerido, enquadrado
e assimilado. Ao menos para nós, o Movimento Armorial não mais nos parece tão
retrógado e equivocado como naquela época, do mesmo modo que o Tropicalismo
ficou muito mais caracterizado como um movimento destinado ao prazer conceitual
de uma determinada elite intelectual brasileira.
Recife, 2014
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