Criança sofre |
Para lhes falar a
verdade, nunca gostei de meu nome, embora não tenha predileção por nenhum
outro. Mas reconheço que a coisa poderia ser pior, muito pior. Por isso, sou
eternamente grato ao pai, por ter resistido à tentação de colocar um “Júnior”
em meu sobrenome.
Há 86 anos, em
Florianópolis, minha avó paterna vivia na roça, com meu avô. Certo dia, ela
recebeu a visita de uma amiga, que trazia no colo sua filha, menina de poucos
meses. Coisinha linda pra cá, coisinha linda pra lá, minha avó fez à visitante
a pergunta inevitável:
-- Como ela se chama?
-- ADELORMA.
Um alumbramento se deu.
-- Que beleza! Não me
leve a mal, mas se eu tiver uma menina (minha avó estava grávida) vou colocar o
mesmo nome. Adorei.
Meu pai, como sabem,
nasceu homem, mas não se livrou do infortúnio. Minha avó – de origem humilde,
analfabeta – era criativa e teimosa. Não teve dúvidas: vai-se chamar ODELORME. Foi
feita sua vontade.
O pai nunca foi homem
de reclamar de nada, não haveria de maldizer o próprio nome. Mas, quando aos 19
anos veio para São Paulo, tratou logo de arrumar um codinome: Odilon. Até
porque seu apelido familiar – NORMINHO – não ajudava muito.
Durante anos, o pai
alimentou uma lista com as mais diversas grafias de seu nome impressas nas
correspondências que recebia. Certa feita, uma secretária de empresa para a
qual trabalhava disse-lhe:
-- Descobri a origem de
seu nome: é francesa. ODELORME deriva de DELORMÉ.
O pai ficou amuado e
pediu à moça que não tocasse mais no assunto, já lhe bastava o pecado original,
não carecia de afetações ordinárias. Na escola, eu entrava em pânico quando a
professora pedia para que eu pronunciasse o nome do pai – em alto e bom som,
claro.
Ainda bem que o pai se
casou com Neide, minha mãe. Imaginem se ele tivesse contraído núpcias com dona
Dedé, nossa vizinha de parede, mulher oferecida? Eu estava perdido. O nome de
dona Dedé? COR-DE-LHU-ME-NA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário