quarta-feira, 27 de agosto de 2014

OBRIGADO, PAPAI

Orlando Silveira
Criança sofre

Para lhes falar a verdade, nunca gostei de meu nome, embora não tenha predileção por nenhum outro. Mas reconheço que a coisa poderia ser pior, muito pior. Por isso, sou eternamente grato ao pai, por ter resistido à tentação de colocar um “Júnior” em meu sobrenome.

Há 86 anos, em Florianópolis, minha avó paterna vivia na roça, com meu avô. Certo dia, ela recebeu a visita de uma amiga, que trazia no colo sua filha, menina de poucos meses. Coisinha linda pra cá, coisinha linda pra lá, minha avó fez à visitante a pergunta inevitável:

-- Como ela se chama?

-- ADELORMA.

Um alumbramento se deu.

-- Que beleza! Não me leve a mal, mas se eu tiver uma menina (minha avó estava grávida) vou colocar o mesmo nome. Adorei.

Meu pai, como sabem, nasceu homem, mas não se livrou do infortúnio. Minha avó – de origem humilde, analfabeta – era criativa e teimosa. Não teve dúvidas: vai-se chamar ODELORME. Foi feita sua vontade.

O pai nunca foi homem de reclamar de nada, não haveria de maldizer o próprio nome. Mas, quando aos 19 anos veio para São Paulo, tratou logo de arrumar um codinome: Odilon. Até porque seu apelido familiar – NORMINHO – não ajudava muito.

Durante anos, o pai alimentou uma lista com as mais diversas grafias de seu nome impressas nas correspondências que recebia. Certa feita, uma secretária de empresa para a qual trabalhava disse-lhe:

-- Descobri a origem de seu nome: é francesa. ODELORME deriva de DELORMÉ.

O pai ficou amuado e pediu à moça que não tocasse mais no assunto, já lhe bastava o pecado original, não carecia de afetações ordinárias. Na escola, eu entrava em pânico quando a professora pedia para que eu pronunciasse o nome do pai – em alto e bom som, claro.

Ainda bem que o pai se casou com Neide, minha mãe. Imaginem se ele tivesse contraído núpcias com dona Dedé, nossa vizinha de parede, mulher oferecida? Eu estava perdido. O nome de dona Dedé? COR-DE-LHU-ME-NA.


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