O PADRE JOSÉ
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Vou começar essa
história em media res, como se dizia antigamente. Ou seja, do meio pro fim.
Foi no balcão da
Farmácia Homeopática Sabino Pinho, na Rua das Águas Verdes, no bairro do São
José, no Recife, que eu conheci seu Machado, em meados dos anos 80. Já passando
dos 70 anos, era um homem cordial que atendia a todos com distinção. Só o vi
enraivecido uma vez. Foi quando lhe perguntei sobre o seu parentesco com o
Padre José, do Pina. O homem transfigurou-se para falar daquele meio irmão (por
parte de pai) que durante toda a vida insistira em lhe chamar de bastardo e de
não lhe querer aproximação alguma. Conservador e elitista, o padre morreu sem
reconhecer o filho que seu pai tivera fora do casamento. Morrera sem perdoar o
irmão por uma culpa que não lhe cabia.
Pois bem, foi esse
padre infeliz e maniqueísta que celebrou a minha primeira comunhão, em 1962. Durante
anos reinou na Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, onde, depois de morto, foi
homenageado pelo fieis com um busto na parede externa da igreja. Confesso que
nunca entendi isso direito. Não era um homem bom. Uma vez, ainda menino, vi-o
paralisar uma missa para expulsar a pontapés um cachorro vira-lata que
inadvertidamente entrara na igreja. Contra ele também corriam histórias de
pedofilia. Dizem que gostava de atrair para a casa paroquial, que ficava ao
lado da igreja, na Avenida Herculano Bandeira, com barras de chocolate, os
meninos ainda impúberes. Lá tentava seduzi-los. Se essas histórias nunca foram
comprovadas, também nunca foram desmentidas. Diferentemente do Crime do Padre
Amaro, de Eça de Queiroz, esse foi o crime do Padre José.
Até hoje, não lembro de
nenhum ato ou fato bonificador que o pároco tenha feito em nome da gente
daquele bairro. Em plena ditadura militar, os anos que passou à frente daquele
rebanho serviu apenas para impingir-lhes o medo do pecado e do fogo dos
infernos. Nenhum senso crítico exercitou-lhes, muito embora na garagem da casa
paroquial funcionasse uma pequena escola onde a professorinha Glória fazia as
vezes de alfabetizadora.
CLÓVIS CAMPÊLO |
Quando morreu, foi
substituído na igreja pelos padres oblatos, americanos que já comandavam a
igreja de Brasília Teimosa. Esses eram mais liberais e haviam aprendido os
questionamentos da teologia da libertação, liderados pelo padre Jaime.
Os oblatos, aliás,
chegaram a Brasília Teimosa, no início dos anos 60, com a missão de catequizar
o gentio daquela favela que começava a se formar. Logo perceberam que deveriam
estar ao lado do povo na luta pela ocupação e posse daquelas terras. Passaram a
ser respeitados e admirados por conta dessa postura solidária e de
enfrentamento com o poder constituído.
Logo, outras áreas do
bairro do Pina, como as comunidades do Bode e do Encanta Moça, passaram a ter
ao seu lado os evangelizadores com uma visão mais modernizada e atuante em
relação aos problemas diários e constantes da população mais pobre. Além do
céu, a felicidade na terra também era um direito daquele povo. E isso, o padre
José nunca os ensinara!
Recife, 2014
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