INSÔNIA
A primeira lembrança
que esse título me traz à mente é o livro homônimo de Graciliano Ramos lançado
em 1947 pela Editora José Olympio. Seu Clóvis, meu genitor, tinha na estante de
casa toda a coleção do escritor alagoano, que tive a sorte de ler ainda na
adolescência.
Meu pai não era um
intelectual no sentido estrito do termo, mas tinha uma pequena e eclética
biblioteca caseira onde desfilavam alguns grandes autores: Graciliano Ramos,
Albert Camus, Vladimir Nabokov, entre outros. Mas tinha também na estante
autores populares, como Marcial Lafuente Estefanía, um espanhol que gostava de
escrever sobre o velho oeste, e heróis da literatura de massa americana, como
Irving Le Roy, detetive de cabelos prateados, e Shell Scott, um ex-fuzileiro
naval americano que lutou na Guerra do Pacífico e que criava peixinhos dourados
no seu escritório. Diante deles, costumava decifrar as mais incríveis
incógnitas policialescas.
Entre as heroínas,
lembro-me de Giselle, a espiã nua que abalou Paris. Integrante da Resistência
Francesa na II Guerra Mundial, usava a sua beleza e formosura para arrancar
informações dos oficiais nazistas. Descoberta e fuzilada pelos alemães, Giselle
deixaria uma filha, Brigitte Montfort, que transformada em agente super espiã
da CIA, ajudaria Tio Sam na Guerra Fria contra a expansão ideológica da então
União Soviética. Cercados por tantos e fabulosos heróis, estávamos à salvo do
perigo vermelho no Pina dos anos 60.
Contudo, amigos, não
era minha intenção ir tão longe nessa abordagem memorialista da pequena
biblioteca do meu pai. Queria apenas fazer referência ao livro de Graciliano
Ramos, tomando-o como leitmotiv para falar da insônia que hoje de vez em quando
me atormenta.
CLÓVIS CAMPÊLO |
De início, também
lembrei-me da falta de sono que atormentava Michael Jackson e que terminou por
fugir do seu controle e levá-lo à morte. O astro pop ficava várias noites sem
dormir e tentava explicar isso como resultante da adrenalina que lhe deixava
excitado após cada show. Afirmava que perdia, em média, quatro quilos por
apresentação e de madrugada, na solidão dos quartos de hotel, não conseguia
conciliar o sono. Diariamente, necessitava de um coquetel de sedativos e
soníferos para desfrutar de algumas horas de descanso. Embora não nutrisse por
ele grandes admirações, não deixei de me comover com o seu drama pessoal.
De Graciliano Ramos a
Michael Jackson, muita águas rolaram na minha vida e no mundo. Hoje, ambos
estão mortos, muito embora ainda sejam respeitados e admirados nas suas
respectivas áreas.
Quanto a mim, utilizo a
minha insônia como motivo para mais uma crônica. Nas madrugadas barulhentas do
bairro da Madalena, onde hoje moro, faço da varanda do meu apartamento um
mirante privilegiado onde procuro observar a lua e as estrelas no céu, à noite,
e o movimento incensante dos automóveis pela madrugada.
Tudo ao som de
Moonlight Serenade, de Glenn Miller.
Recife, julho 2014
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