ME ENGANA QUE EU GOSTO!
Dizem os entendidos no
assunto que o homem é o único animal que dissimula. Está longe de nós,
portanto, enquanto espécie, usar a verdade para a manutenção da vida em qualquer
nível. Poeticamente, parafraseando o poeta-mor da língua portuguesa, poderíamos
até dizer que o Homem é um fingidor. E que o fingimento, por ser uma atitude
generalizada, está legitimamente incluído entre os direitos da espécie humana.
Assim, fingimos
(mentimos!) tanto para conquistar a mulher do próximo - quando o próximo não
estiver muito próximo - quanto para bombardear e matar populações indefesas,
atingindo indiscriminadamente velhos, mulheres ou crianças. Dependendo da carga
dissimulatória dos argumentos, tudo pode ser aceito e explicável.
Quem não lembra, por
exemplo, da história da estagiária Mônica Lewinsky com o ex-presidente
americano Bill Clinton? Dedurada por uma das secretárias do presidente da maior
potência do mundo, após ter as suas conversas telefônicas gravadas, a
estagiária viu-se envolvida num escândalo que terminaria com uma ação de
perjúrio contra o presidente ianque, após este negar sob juramento que tivesse
tido algum tipo de relacionamento com ela.
Para desviar a atenção
da opinião pública mundial, Clinton mandou bombardear simultaneamente dois
países: o Sudão, na África, e o Afeganistão, na Ásia Central, com a
justificativa de combater o terrorismo naqueles fins de mundo. Segundo a
revista Veja, em 26 de agosto de 1998, foram disparados contra os dois alvos em
torno de 100 mísseis Tomawhak. A encenação, ainda matou cerca de 20 pessoas no
Afeganistão, já que no horário escolhido para o ataque de araque, à noite, a
maioria dos terroristas visados deveria estar dormindo. Enfim, uma triste
encenação que fez o mundo esquecer, por alguns momentos, da estagiária, dos
charutos e do sexo oral do presidente.
CLÓVIS CAMPÊLO |
Lembro disso agora
quando o mundo inteiro se indigna com a luta desigual que se dá em Gaza. Até
onde a justificativa para a matança encontra respaldo? Até onde qualquer povo
ou nação tem o direito de ceifar vidas humanas em nome de um suposto perigo ou
tentando destruir edificações ou túneis de existências não devidamente
comprovadas?
Todos nós sabemos (e
fingimos não saber) que por trás dessa encenação trágica existem interesses
políticos e econômicos nem sempre éticos ou honestos.
Dentro desse contexto
enganatório fica até difícil para nós, pobres mortais cuja opinião é formada
(ou deformada) de acordo com os interesses do jogo político e econômico
internacional, tomar uma posição justa e coerente com os nossos valores íntimos
(afinal, que valores seriam esses?). Na maioria das vezes, somos impelidos
emocionalmente para um lado ou para o outro, servindo de massa de manobra
dentro desse jogo espúrio.
Recife, 2014
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