quinta-feira, 21 de agosto de 2014

CLÓVIS CAMPÊLO

ME ENGANA QUE EU GOSTO!



Dizem os entendidos no assunto que o homem é o único animal que dissimula. Está longe de nós, portanto, enquanto espécie, usar a verdade para a manutenção da vida em qualquer nível. Poeticamente, parafraseando o poeta-mor da língua portuguesa, poderíamos até dizer que o Homem é um fingidor. E que o fingimento, por ser uma atitude generalizada, está legitimamente incluído entre os direitos da espécie humana.

Assim, fingimos (mentimos!) tanto para conquistar a mulher do próximo - quando o próximo não estiver muito próximo - quanto para bombardear e matar populações indefesas, atingindo indiscriminadamente velhos, mulheres ou crianças. Dependendo da carga dissimulatória dos argumentos, tudo pode ser aceito e explicável.

Quem não lembra, por exemplo, da história da estagiária Mônica Lewinsky com o ex-presidente americano Bill Clinton? Dedurada por uma das secretárias do presidente da maior potência do mundo, após ter as suas conversas telefônicas gravadas, a estagiária viu-se envolvida num escândalo que terminaria com uma ação de perjúrio contra o presidente ianque, após este negar sob juramento que tivesse tido algum tipo de relacionamento com ela.

Para desviar a atenção da opinião pública mundial, Clinton mandou bombardear simultaneamente dois países: o Sudão, na África, e o Afeganistão, na Ásia Central, com a justificativa de combater o terrorismo naqueles fins de mundo. Segundo a revista Veja, em 26 de agosto de 1998, foram disparados contra os dois alvos em torno de 100 mísseis Tomawhak. A encenação, ainda matou cerca de 20 pessoas no Afeganistão, já que no horário escolhido para o ataque de araque, à noite, a maioria dos terroristas visados deveria estar dormindo. Enfim, uma triste encenação que fez o mundo esquecer, por alguns momentos, da estagiária, dos charutos e do sexo oral do presidente.

CLÓVIS CAMPÊLO

Lembro disso agora quando o mundo inteiro se indigna com a luta desigual que se dá em Gaza. Até onde a justificativa para a matança encontra respaldo? Até onde qualquer povo ou nação tem o direito de ceifar vidas humanas em nome de um suposto perigo ou tentando destruir edificações ou túneis de existências não devidamente comprovadas?

Todos nós sabemos (e fingimos não saber) que por trás dessa encenação trágica existem interesses políticos e econômicos nem sempre éticos ou honestos.

Dentro desse contexto enganatório fica até difícil para nós, pobres mortais cuja opinião é formada (ou deformada) de acordo com os interesses do jogo político e econômico internacional, tomar uma posição justa e coerente com os nossos valores íntimos (afinal, que valores seriam esses?). Na maioria das vezes, somos impelidos emocionalmente para um lado ou para o outro, servindo de massa de manobra dentro desse jogo espúrio.

Recife, 2014


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