quarta-feira, 27 de agosto de 2014

COISAS DA VIDA....

TARDE FRIA

Violante Pimentel
Violante Pimentel é procuradora aposentada
 do Estado do Rio Grande do Norte.



(Por Violante Pimentel) Marcolino era um homem muito irritado. Implicava com tudo. Não suportava música alta, nem "gente burra" conversando besteira junto dele. Metido a entender de tudo, era só quem tinha razão. Revoltado com o salário de professor que recebia, descontava sua frustração em casa, descarregando sua revolta na mulher e nos filhos. Às vezes, dava a impressão de que acordava com o "cão no couro", procurando dar coice no vento. Brigava até com ele mesmo. A esposa Rosilda se ocupava de administrar a casa e tomar conta dos três filhos. Aos trancos e barrancos, o casamento se arrastava há doze anos. A mulher evitava qualquer discussão com o marido, tentando preservar o sossego do lar.

Não havia empregada doméstica que durasse na casa do casal, por causa das grosserias de Marcolino.  Saía uma e entrava outra. Rosilda vivia cansada e não aguentava mais o ritmo de vida que vinha levando. O marido, simplesmente, não lhe dava o direito de dirigir a casa ao seu modo. O homem fiscalizava todos os gastos domésticos, até o modo de abrir e fechar as torneiras, que só deveriam ser abertas depois que a louça estivesse ensaboada.

À noite, depois do jantar, a casa ficava, praticamente, às escuras. O dono da casa só permitia que ficasse ligada uma única lâmpada, fora a luminosidade da televisão. Também não admitia empregada doméstica dando uma de cantora, dentro de sua casa. Quando a esposa conseguia uma empregada, avisava logo que seu marido não gostava de ouvir empregada cantando. Além disso, ele, gratuitamente, detestava determinadas músicas e certos cantores.

Por mais que a esposa lhe pedisse para que tivesse paciência com todos dentro de casa, de nada adiantava.

Rosilda já vivia nervosa com o  "entra e sai" de empregadas domésticas. A última que trabalhou na casa do casal foi dispensada pelo patrão, por ter sido flagrada, à tarde, cantando em voz alta, a música que estava tocando no rádio, enquanto ela passava ferro na roupa da família.

Com essa atitude do marido, a esposa, uma grande sofredora, entrou em desespero e o ameaçou de pedir a separação. Por conta disso, ele lhe disse que iria a uma agência de empregos, à procura de uma boa empregada doméstica. Saiu de casa, mas, ao invés de ir à tal agência, resolveu mandar publicar um anúncio nos classificados do mais lido jornal da cidade, à procura de uma empregada. E logo saiu nos classificados do "Diário da Cidade" o seguinte anúncio: 

“PRECISA-SE DE EMPREGADA DOMÉSTICA, QUE NÃO CANTE NO EMPREGO, PRINCIPALMENTE “TARDE FRIA”, IMITANDO CAUBY PEIXOTO.”Tratar pelo telefone 222 88 77 44”.


Era a década de 60, e a música que a empregada estava cantando, e que motivou sua despedida do trabalho, estava no auge do sucesso, na voz de Cauby Peixoto, e era da autoria de Ângelo Apolônio e Henrique Lobo.

Para quem não conhece, a música era esta:

Tarde fria,
sozinho espero.
Só você, que não vem,
eu quero...

Tarde fria,
sinto frio na alma.
só você, que não vem,
me acalma...

E o vento sopra frio,
gelando...
e eu, sem você,
até quando?

Vem o vento,
e a tarde é fria.
Estou só,
e minha alma vazia...














Um comentário:

  1. Adorei a forma como vc narrou terminando com a música que escuto agora e que gosto muito..Eu ia ser demitida antes de entrar no emprego, pq adoro cantar e tarde fria é uma das minhas prediletas ...Beijos

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