TARDE FRIA
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(Por Violante Pimentel) Marcolino era um homem
muito irritado. Implicava com tudo. Não suportava música alta, nem "gente
burra" conversando besteira junto dele. Metido a entender de tudo, era só
quem tinha razão. Revoltado com o salário de professor que recebia, descontava
sua frustração em casa, descarregando sua revolta na mulher e nos filhos. Às
vezes, dava a impressão de que acordava com o "cão no couro",
procurando dar coice no vento. Brigava até com ele mesmo. A esposa Rosilda se
ocupava de administrar a casa e tomar conta dos três filhos. Aos trancos e
barrancos, o casamento se arrastava há doze anos. A mulher evitava qualquer
discussão com o marido, tentando preservar o sossego do lar.
Não havia empregada
doméstica que durasse na casa do casal, por causa das grosserias de
Marcolino. Saía uma e entrava outra.
Rosilda vivia cansada e não aguentava mais o ritmo de vida que vinha levando. O
marido, simplesmente, não lhe dava o direito de dirigir a casa ao seu modo. O
homem fiscalizava todos os gastos domésticos, até o modo de abrir e fechar as
torneiras, que só deveriam ser abertas depois que a louça estivesse ensaboada.
À noite, depois do
jantar, a casa ficava, praticamente, às escuras. O dono da casa só permitia que
ficasse ligada uma única lâmpada, fora a luminosidade da televisão. Também não
admitia empregada doméstica dando uma de cantora, dentro de sua casa. Quando a
esposa conseguia uma empregada, avisava logo que seu marido não gostava de
ouvir empregada cantando. Além disso, ele, gratuitamente, detestava determinadas
músicas e certos cantores.
Por mais que a esposa
lhe pedisse para que tivesse paciência com todos dentro de casa, de nada
adiantava.
Rosilda já vivia
nervosa com o "entra e sai" de
empregadas domésticas. A última que trabalhou na casa do casal foi dispensada
pelo patrão, por ter sido flagrada, à tarde, cantando em voz alta, a música que
estava tocando no rádio, enquanto ela passava ferro na roupa da família.
Com essa atitude do
marido, a esposa, uma grande sofredora, entrou em desespero e o ameaçou de pedir
a separação. Por conta disso, ele lhe disse que iria a uma agência de empregos,
à procura de uma boa empregada doméstica. Saiu de casa, mas, ao invés de ir à
tal agência, resolveu mandar publicar um anúncio nos classificados do mais lido
jornal da cidade, à procura de uma empregada. E logo saiu nos classificados do
"Diário da Cidade" o seguinte anúncio:
“PRECISA-SE DE
EMPREGADA DOMÉSTICA, QUE NÃO CANTE NO EMPREGO, PRINCIPALMENTE “TARDE FRIA”,
IMITANDO CAUBY PEIXOTO.”Tratar pelo telefone 222 88 77 44”.
Era a década de 60, e a
música que a empregada estava cantando, e que motivou sua despedida do
trabalho, estava no auge do sucesso, na voz de Cauby Peixoto, e era da autoria
de Ângelo Apolônio e Henrique Lobo.
Para quem não conhece,
a música era esta:
Tarde fria,
sozinho espero.
Só você, que não vem,
eu quero...
Tarde fria,
sinto frio na alma.
só você, que não vem,
me acalma...
E o vento sopra frio,
gelando...
e eu, sem você,
até quando?
Vem o vento,
e a tarde é fria.
Estou só,
e minha alma vazia...
Adorei a forma como vc narrou terminando com a música que escuto agora e que gosto muito..Eu ia ser demitida antes de entrar no emprego, pq adoro cantar e tarde fria é uma das minhas prediletas ...Beijos
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