O homem estava irreconhecível.
Há quinze dias, Ceará não pitava, não bebia uca, não jogava no bicho.
Tratava a mulher com deferência total. O filho pequeno e único lhe fazia de
sapato e gato. E ele ria. Parecia mais avô que pai. Transformara-se num homem
de fé.
Domingo à tarde. Ceará se plantou na porta do bar. Cumprimentou todo
mundo como sempre – com aquele rosnar quase indecifrável, sua marca moída. Era
um cavalheiro, embora rude. Rejeitou todas as propostas de tomar uma. Olhava
ansioso pro começo da rua. O carro do pastor, seu chefe, não chegava. Não
chegava nunca. Demora imperdoável para aquela alma em vias de conversão, mas ainda
vacilante. Ia perder o culto.
foto: www.trekearth.com |
Passou meia hora, passou hora e meia. Ceará pediu um cigarro a um
conhecido.
Impaciente, resolveu degustar uma, com a licença do pastor. Ninguém é
de ferro. Resolveu comprar fósforos e um maço de cigarros do Paraguai. O pastor
não vinha. Pra arredondar o troco, entornou mais duas. E nada do pastor, que só
apareceu no fim da noite.
Àquela altura, o dízimo estava dizimado. E Santo Antônio posto na
jangada. E Ceará sem força pra gritar
como convém a recém-convertido.
Mas o pastor, compreensivo, não deixou a alma penada em vão:
-- Ceará: esquenta não. Amanhã, tem culto. Não esqueça o cartão
do banco. É dia de pagamento. Toma mais uma que eu pago. Em nome de Jesus, te
perdoo.
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