sábado, 23 de agosto de 2014

CEARÁ BOTOU..

O homem estava irreconhecível.

Há quinze dias, Ceará não pitava, não bebia uca, não jogava no bicho. Tratava a mulher com deferência total. O filho pequeno e único lhe fazia de sapato e gato. E ele ria. Parecia mais avô que pai. Transformara-se num homem de fé.

Domingo à tarde. Ceará se plantou na porta do bar. Cumprimentou todo mundo como sempre – com aquele rosnar quase indecifrável, sua marca moída. Era um cavalheiro, embora rude. Rejeitou todas as propostas de tomar uma. Olhava ansioso pro começo da rua. O carro do pastor, seu chefe, não chegava. Não chegava nunca. Demora imperdoável para aquela alma em vias de conversão, mas ainda vacilante. Ia perder o culto.

foto: www.trekearth.com

Passou meia hora, passou hora e meia. Ceará pediu um cigarro a um conhecido.

Impaciente, resolveu degustar uma, com a licença do pastor. Ninguém é de ferro. Resolveu comprar fósforos e um maço de cigarros do Paraguai. O pastor não vinha. Pra arredondar o troco, entornou mais duas. E nada do pastor, que só apareceu no fim da noite.

Àquela altura, o dízimo estava dizimado. E Santo Antônio posto na jangada.  E Ceará sem força pra gritar como convém a recém-convertido.  

Mas o pastor, compreensivo, não deixou a alma penada em vão:

-- Ceará: esquenta não. Amanhã, tem culto. Não esqueça o cartão do banco. É dia de pagamento. Toma mais uma que eu pago. Em nome de Jesus, te perdoo.




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