domingo, 31 de agosto de 2014

HORA DA VITROLA: MARIA CREUZA/CAETANO

EU SEI QUE VOU TE AMAR
DE: Tom Jobim/Vinícius de Moraes



Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar

E cada verso meu será pra te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar,
Mas cada volta Tua há de apagar
O que essa ausência tua me causou

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver a espera
De viver ao lado teu




sábado, 30 de agosto de 2014

CLÓVIS CAMPÊLO

QUEM CANTA OS SEUS MALES ESPANTA?





Faz tempo isso. Encontrei o amigo na Ponte da Boa Vista, no centro do Recife, debaixo da maior chuva. Cantava e dançava na rua. Estava feliz. E como sempre foi muito performático, tentava demonstrar isso a todos os transeuntes.


O motivo de tanta felicidade? Conseguirá, finalmente, seduzir a mulher pela qual estava apaixonado. Achava que a empreitada valia uma demonstração pública de maluquices. O povo olhava admirado e, é claro, sem entender muita a coisa. Eu mesmo imaginei que houvesse enlouquecido, até que me explicasse o fato. Mesmo assim, achei que era muita atitude para pouco resultado. Como pode se iludir um homem apaixonado!

O tempo passou e mostrou que eu tinha razão. Depois de dez anos e dois filhos, separaram-se. Ela gostava de outro. Sempre gostara e ele, na sua paixão desvairada, não conseguira perceber isso. Cada um seguiu o seu caminhar. A vida, camaradas, sempre insiste em prosseguir.

Para mim, cantar na chuva sempre foi coisa de americanos. E ele, o meu amigo apaixonado, não se parecia nem um pouco com o Gene Kelly. Talvez, visualmente, estivesse mais para Malcolm Mcdowell, que interpretou o vilão sádico de Laranja Mecânica, cantando a mesma música, numa sequência em que espanca um homem e estrupa a sua mulher.

CLÓVIS CAMPÊLO

Mas, afinal, cada um, canta onde se sente mais à vontade para tal. Dona Tereza, minha mãe, por exemplo, adorava cantar na cozinha, enquanto preparava o almoço. Catava o feijão interpretando Noel Rosa (“Nosso amor que eu não esqueço...”) e batia os bifes com Maysa Matarazzo (“O meu mundo caiu...”). Nos dias em que brigava com o meu pai, desafogava a raiva caprichando nas porradas e amaciando a carne. Hoje, tenho a clara percepção de que esses foram os melhores e mais macios bifes que eu comi na minha vida.

Cantar, cantava também embriagado o velho Manoel, homem de cor apaixonado por dona Lourdes, mulher branca de peitos fartos e lhe incendiar a imaginação: “Tu é divina e graciosa, estátua majestosa do amor, por Deus esculturada...”. Ela, com seus óculos escuros de madona experiente, fingia não perceber que a canção lhe era destinada. E aquele canto ao mesmo tempo alegre e nostálgico do cantor apaixonado, rasgava no Pina as noites quentes de verão. Houve um tempo em que Manoel, lanterneiro de mão cheia, era o seu mantenedor. Ganhara muito dinheiro com os americanos na ocupação da Segunda Guerra Mundial.

A pensão de dona Lourdes (estritamente familiar, faça-me o favor!), ficava próxima ao Cassino Americano, onde os garbos soldados de Tio Sam se divertiam. Ali, em noites de luar, quando a musicalidade do mar se fazia notar com mais esplendor, o velho negro dera provas incontestáveis do seu amor pela matrona.
Com o fim da guerra, no entanto, não encontrara a paz o seu coração. Dona Lourdes apaixonara-se por um velho taifeiro americano que resolvera dar baixa da marinha ianque e viver o resto dos seus dias contemplando, ao seu lado, a magia do mar do Pina.

Só restara ao poeta apaixonado, noite após noite dedilhar ao violão o seu canto plangente: “Oh linda imagem de mulher que me seduz...”

Recife, 2014





sexta-feira, 29 de agosto de 2014

FILHOS, MAMÃE PERDEU O TRONO

weheartit.com

Tempos difíceis, os nossos. Como nunca antes neste país, a lei da oferta e da procura mostra suas garras. É mais fácil acertar no jogo do bicho que encontrar uma empregada doméstica para chamar de sua.  Nem falo das diaristas. Moscas raras. Quando você consegue uma, ainda que a dita seja de uma incompetência a toda prova, é melhor engolir sapos, fingir que não viu nada de errado, fazer de conta que é surdo, concordar com tudo o que ela diz. Melhor não contrariá-la. A não ser, claro, que você se disponha a pegar no escovão. E a encarar o bico de sua mulher, a outrora rainha do lar: “Por conta de seu gênio, diarista nenhuma para em casa!”

Que gênio? Dita nunca chegou no horário combinado. Jamais reclamei. Dita ouvia o rádio no último volume. Jamais dei um pio. Quebrar louças era com Dita mesmo. Eu me limitava a lhe dizer: “Não esquenta, isso acontece.” Dita vivia grudada no celular. Dita reclamava da comida e só bebia água mineral. E eu calado, bebendo água do tal de volume morto. Dita não limpava direito. Eu dava os retoques. Tudo para não chateá-la. Até o dia em que Dita me tirou do sério.

Trabalho em casa. Fui à portaria buscar umas encomendas. Quando retornei, me deparei com Dita sentada na frente do computador corrigindo meu texto. Antes que falasse alguma coisa, ela disparou:

-- Não gostei do título. Vou mudá-lo. O texto também está muito longo. Vou enxugá-lo.

-- Como?

-- É. Vou dar um trato no texto, colocá-lo de pé. Porra, eu preciso desenhar? Está ruinzinho que só. Limpe a janela de seu quarto, se não vou me atrasar. Preciso sair no horário.

Aturdido com tamanha insolência, cheguei a pegar o pano e o vidro de álcool. Preferi mandar a Dita embora. A patroa não me perdoa até hoje: “Este seu gênio... Agora, onde vamos arrumar uma diarista tão boa quanto Dita?” (dezembro de 2012)

 




DALINHA

OLHAR DE CABOCLO

Caboclo de olhar cumprido
Caboclo de olhar pidão
Esse teu olhar é seta
Flechando meu coração
O teu olhar não rejeito
Olhando-me deste jeito
Atinge minha emoção.

***


No oitão da casa grande
Do cavalo desmontado
Arrumou bem o chapéu
Caminhamos lado a lado
Meu coração sertanejo
Reconheceu o desejo
Num olhar acaboclado.

Dalinha Catunda


BRUNO NEGROMONTE

Mareike Valentin - Entrevista Exclusiva

Mesmo nascida na Alemanha, Mareike Valentin traz arraigada em sua sonoridade elementos sonoros genuinamente brasileiros. Isso se deu de modo bastante eficiente por intermédio de sua mãe, que por saudades do Brasil ouvia os grandes nomes de nossa música por horas na cidade alemã de Rheinfelden. Esse hábito rendeu pomposos frutos ao longo da trajetória da artista e hoje encontra-se bastante evidente no debute fonográfico da cantora como pode-se conferir na pauta "Em sensível amálgama sonoro, Mareike Valentim mostra ao que veio" que publicamos recentemente aqui mesmo nesta coluna ao longo da última semana. Homônimo ao seu nome, o primeiro projeto fonográfico da artista conta com a adesão de nomes de peso da música popular brasileira e convidados pra lá de especiais como vimos. Agora, Mareike volta ao nosso espaço para ilustrar mais uma pauta, dessa vez em uma entrevista gentilmente concedida onde aborda diversos assuntos, dentre os quais a receptividade do público ao seu trabalho, a reviravolta profissional que a fez trocar a vida de bancária pela vida artística, suas origem alemã entre outros assuntos como vocês podem conferir nesta entrevista exclusiva. Boa leitura!
Uma curiosidade acerca de sua carreira artística é você ter nascido a mais de 10 mil quilômetros do Brasil e hoje traz em seu canto características muito arraigadas de brasilidade. Existe em sua formação musical alguma reminiscência dos poucos anos que você residiu em Rheinfelden ou a sua formação musical é essencialmente brasileira?
Mareike Valentin - Eu diria que minha influência é fortemente brasileira. Tenho na lembrança algumas cantigas infantis em alemão e me lembro de alguns discos que tinha quando criança, mas como a música brasileira sempre fez parte da minha infância também, acho que esta me influenciou muito mais. 
Ao longo de sua carreira você já chegou a voltar à Alemanha para mostrar um pouco da riqueza musical existente no Brasil. Foi durante essas apresentações a sua primeira volta a sua terra natal?
MV - Não, estive na Alemanha em 2005, numa viagem inesquecível com meu avô paterno. Aí sim, tive a oportunidade de retornar às cidades e casas onde vivi, rever amigos e familiares.
Quando foi que você percebeu que era a hora de decidir indelevelmente quanto a sua vida profissional? Qual foi o momento, ao seu modo de ver, que já não era mais possível conciliar a vida de bancária com as suas pretensões artísticas?
MV - Enquanto trabalhava no banco, iniciei a faculdade de música e neste período surgiam muitas oportunidades de fazer cursos fora da minha cidade, inclusive a turnê com o grupo Txai aconteceu no meu período de férias do banco. Mas não era sempre que conseguia conciliar as duas coisas e chegou um momento que recebi o convite para começar a dar aulas de canto na escola onde na época eu era aluna (onde trabalho até hoje), foi aí que decidi que não queria mais perder oportunidades de por causa do emprego na banco. Chutei o pau da barraca! (risos)
Como foi a reação das pessoas mais próximas quando você decidiu abandonar toda a burocracia de um banco para arriscar-se de arte, um universo tão oscilante? 
MV - Tenho muita sorte. Meus pais me apoiaram muito e ficaram muito felizes com minha decisão. Meu marido, que só conheci uns meses depois de ter saído do banco, sempre menciona essa minha atitude como algo que ele admira. Tive muito apoio, sempre!
Leandro Braga é um dos grandes nomes de nossa música atestado por toda a sua experiência junto a artistas considerados como referências em nossa música. Como se deu o seu encontro com o maestro e o convite para que ele assinasse a produção e os arranjos do disco?
MV - Foi meu marido quem sugeriu que eu fizesse contato com Leandro, pra pedir que ele fizesse alguns arranjos que, inicialmente, gravaríamos aqui em Blumenau. Nunca achei que Leandro fosse me “dar bola”. Rsrs. Escrevi uma mensagem pelo Myspace e esqueci... depois de alguns dias quase caí de costas quando vi que ele além de ter respondido, ele havia se mostrado interessado em trabalharmos juntos. Daí pra frente nossa parceria e amizade se firmou e depois de um tempo e uma vinda de Leandro à Blumenau, veio o convite pra gravar no Rio. Desde então somos grandes amigos e nossa parceria continua. Leandro veio fazer uma participação especial no show de lançamento do meu CD aqui em Blumenau. Agora em julho devo ir ao Rio fazer uma participação num show dele, e por aí vai... 
No álbum existem algumas regravações como “Passas por mim” (Simone Guimarães) e “Menina, amanhã de manhã” (Tom Zé e Perna). Quais os critérios adotados para a escolha dessas regravações que fazem-se presentes em seu álbum?
MV - “Menina, amanhã de manhã” já era uma música que eu adorava. Quando começamos a pensar o repertório foi uma sugestão minha que Leandro aceitou de imediato. Já a “Passas por mim” foi mostrada ao Leandro pela própria Simone, atendendo ao pedido dele de lhe mostrar algumas canções que pudessem vir a fazer parte do disco.
E a escolha das demais faixas como se deu?
MV - Quando decidimos gravar o disco eu já tinha as canções do Pochyua. Queria muito gravá-las. As demais foram garimpadas, gentilmente enviadas pro Leandro e pra mim pelos próprios compositores (assim foi com Zé Renato, Simone Guimarães, Sueli Mesquita). O samba da Telma Tavares foi composto especialmente para este disco, a pedido de Leandro. Um presentaço!
O disco conta com a participação do Zé Renato e do Marcos Sacramento. Ambos os nomes foram sugestões muito bem aceitas ou já era do seu desejo especificamente a participação deles no projeto?
MV - Zé Renato sempre foi um grande ídolo. Já ouvia o Boca Livre ainda na Alemanha, muito nova. Quando Leandro falou sobre as participações que poderíamos ter, e sugeriu os dois, quase morri de tanta felicidade porque nunca imaginei que cantar ao lado destes dois gigantes fosse possível. Foi um sonho. Sacramento eu conhecia há pouco tempo e era encantada com o trabalho dele. Pessoalmente me apaixonei ainda mais, pela gentileza, generosidade e bom humor com que me recebeu.
Como tem sido a receptividade do público por onde você tem levado o álbum? O que há no espetáculo além do repertório do disco que você pode nos dizer?
MV - A receptividade tem sido incrível. Tenho tido retornos muito carinhosos e emocionados. Além das canções do disco canto também uma parceria do Junior Marques (meu parceiro, amigão e pianista que me acompanha sempre) e do Gregory, chamada Bola Dividida, um partido alto super bem humorado, é uma metáfora entre uma relação de um casal e o futebol. O público adora e eu me divirto muito cantando. Outras canções também fazem parte do repertório show, mas tem que assistir o show pra saber! (risos)
Já ouvi de alguns artistas que custeiam seus próprios trabalhos que o termo independente nunca deveria ser aplicado a eles uma vez que é algo que não condiz com a realidade, pois os mesmos dependem de muitos em shows, divulgação e outras situações. Você é uma artista que contou com um apoio em seu projeto mas não deixa de estar inserida em uma gama de artistas que buscam um lugar ao sol remando contra a maré midiática existente. Qual a maior dificuldade em trabalhar desse modo? 
MV - Tive a sorte de ter um apoio da Fujiro e também do Fundo Municipal de Apoio à Cultura de Blumenau, mas a maior parte do trabalho, eu diria que 70%, foi realizada com recurso próprio, vindo de muito trabalho (meu e de meu marido). A maior dificuldade no meu caso, é que como não dispunha de verba pra realizar o trabalho todo de uma vez, tive que fazer tudo aos poucos. Entre o primeiro contato com Leandro e o disco pronto, lançado, foram mais de dois anos! Até tive um filho neste meio tempo! Rsrsr Sempre brinco que a gestação do meu disco durou muito mais do que a do Tom, e que o parto (do disco) foi beeem mais difícil e demorado!
Maiores Informações:

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

PADRES E BISPOS

br.answers.yahoo.com

Noves fora as diferenças, salvação de poucas almas, padres e “bispos”, “missionárias” e freiras, têm algo em comum: gostam de beijar com a boca dos outros. Uns dizem que não tem dinheiro no bolso. Todos sempre de olho no bolso alheio. Vida que segue. Para alegria dos bancos. E dos "sacerdotes".


LÁ NO MORRO...



De que lhe adiantava, sinceramente, tudo aquilo, aquele desassossego sem fim, fábrica de planos, usina de ideias em permanente funcionamento? Querem saber? Pra nada. Cadê coragem pra dar o passo?  Ninguém se interessava mais pelos seus sambas. É disso – é só disso – que se trata. Mais um dia sem samba.


QUEM TOPA A VERDADE?



www.constelar.com.br 

De agosto e setembro ninguém escapa. Dois meses insuportáveis. Políticos e marqueteiros vendendo suas promessas vãs no rádio e na tevê. Debates inúteis, embrulhados como se fossem a salvação do esclarecimento público. 

Como acontece em todos os anos de eleição – há anos –, gente séria já começou a cobrar o óbvio: que partidos e candidatos apresentem propostas concretas, que não se rendam ao apelo mentiroso do marketing idem. Nada vai mudar. Pela simples e boa razão de que, salvo engano desse escriba, as pessoas não querem saber de dificuldades a serem enfrentadas. Preferem acreditar nas mentiras. Para depois, maldizê-las. 

Os políticos sabem disso como ninguém. Por isso, reforçam o caixa.



CLÓVIS CAMPÊLO

O PADRE JOSÉ

Adicionar legenda


Vou começar essa história em media res, como se dizia antigamente. Ou seja, do meio pro fim.

Foi no balcão da Farmácia Homeopática Sabino Pinho, na Rua das Águas Verdes, no bairro do São José, no Recife, que eu conheci seu Machado, em meados dos anos 80. Já passando dos 70 anos, era um homem cordial que atendia a todos com distinção. Só o vi enraivecido uma vez. Foi quando lhe perguntei sobre o seu parentesco com o Padre José, do Pina. O homem transfigurou-se para falar daquele meio irmão (por parte de pai) que durante toda a vida insistira em lhe chamar de bastardo e de não lhe querer aproximação alguma. Conservador e elitista, o padre morreu sem reconhecer o filho que seu pai tivera fora do casamento. Morrera sem perdoar o irmão por uma culpa que não lhe cabia.

Pois bem, foi esse padre infeliz e maniqueísta que celebrou a minha primeira comunhão, em 1962. Durante anos reinou na Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, onde, depois de morto, foi homenageado pelo fieis com um busto na parede externa da igreja. Confesso que nunca entendi isso direito. Não era um homem bom. Uma vez, ainda menino, vi-o paralisar uma missa para expulsar a pontapés um cachorro vira-lata que inadvertidamente entrara na igreja. Contra ele também corriam histórias de pedofilia. Dizem que gostava de atrair para a casa paroquial, que ficava ao lado da igreja, na Avenida Herculano Bandeira, com barras de chocolate, os meninos ainda impúberes. Lá tentava seduzi-los. Se essas histórias nunca foram comprovadas, também nunca foram desmentidas. Diferentemente do Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz, esse foi o crime do Padre José.

Até hoje, não lembro de nenhum ato ou fato bonificador que o pároco tenha feito em nome da gente daquele bairro. Em plena ditadura militar, os anos que passou à frente daquele rebanho serviu apenas para impingir-lhes o medo do pecado e do fogo dos infernos. Nenhum senso crítico exercitou-lhes, muito embora na garagem da casa paroquial funcionasse uma pequena escola onde a professorinha Glória fazia as vezes de alfabetizadora.

CLÓVIS CAMPÊLO

Quando morreu, foi substituído na igreja pelos padres oblatos, americanos que já comandavam a igreja de Brasília Teimosa. Esses eram mais liberais e haviam aprendido os questionamentos da teologia da libertação, liderados pelo padre Jaime.

Os oblatos, aliás, chegaram a Brasília Teimosa, no início dos anos 60, com a missão de catequizar o gentio daquela favela que começava a se formar. Logo perceberam que deveriam estar ao lado do povo na luta pela ocupação e posse daquelas terras. Passaram a ser respeitados e admirados por conta dessa postura solidária e de enfrentamento com o poder constituído.

Logo, outras áreas do bairro do Pina, como as comunidades do Bode e do Encanta Moça, passaram a ter ao seu lado os evangelizadores com uma visão mais modernizada e atuante em relação aos problemas diários e constantes da população mais pobre. Além do céu, a felicidade na terra também era um direito daquele povo. E isso, o padre José nunca os ensinara!

Recife, 2014


quarta-feira, 27 de agosto de 2014

OBRIGADO, PAPAI

Orlando Silveira
Criança sofre

Para lhes falar a verdade, nunca gostei de meu nome, embora não tenha predileção por nenhum outro. Mas reconheço que a coisa poderia ser pior, muito pior. Por isso, sou eternamente grato ao pai, por ter resistido à tentação de colocar um “Júnior” em meu sobrenome.

Há 86 anos, em Florianópolis, minha avó paterna vivia na roça, com meu avô. Certo dia, ela recebeu a visita de uma amiga, que trazia no colo sua filha, menina de poucos meses. Coisinha linda pra cá, coisinha linda pra lá, minha avó fez à visitante a pergunta inevitável:

-- Como ela se chama?

-- ADELORMA.

Um alumbramento se deu.

-- Que beleza! Não me leve a mal, mas se eu tiver uma menina (minha avó estava grávida) vou colocar o mesmo nome. Adorei.

Meu pai, como sabem, nasceu homem, mas não se livrou do infortúnio. Minha avó – de origem humilde, analfabeta – era criativa e teimosa. Não teve dúvidas: vai-se chamar ODELORME. Foi feita sua vontade.

O pai nunca foi homem de reclamar de nada, não haveria de maldizer o próprio nome. Mas, quando aos 19 anos veio para São Paulo, tratou logo de arrumar um codinome: Odilon. Até porque seu apelido familiar – NORMINHO – não ajudava muito.

Durante anos, o pai alimentou uma lista com as mais diversas grafias de seu nome impressas nas correspondências que recebia. Certa feita, uma secretária de empresa para a qual trabalhava disse-lhe:

-- Descobri a origem de seu nome: é francesa. ODELORME deriva de DELORMÉ.

O pai ficou amuado e pediu à moça que não tocasse mais no assunto, já lhe bastava o pecado original, não carecia de afetações ordinárias. Na escola, eu entrava em pânico quando a professora pedia para que eu pronunciasse o nome do pai – em alto e bom som, claro.

Ainda bem que o pai se casou com Neide, minha mãe. Imaginem se ele tivesse contraído núpcias com dona Dedé, nossa vizinha de parede, mulher oferecida? Eu estava perdido. O nome de dona Dedé? COR-DE-LHU-ME-NA.


COISAS DA VIDA....

TARDE FRIA

Violante Pimentel
Violante Pimentel é procuradora aposentada
 do Estado do Rio Grande do Norte.



(Por Violante Pimentel) Marcolino era um homem muito irritado. Implicava com tudo. Não suportava música alta, nem "gente burra" conversando besteira junto dele. Metido a entender de tudo, era só quem tinha razão. Revoltado com o salário de professor que recebia, descontava sua frustração em casa, descarregando sua revolta na mulher e nos filhos. Às vezes, dava a impressão de que acordava com o "cão no couro", procurando dar coice no vento. Brigava até com ele mesmo. A esposa Rosilda se ocupava de administrar a casa e tomar conta dos três filhos. Aos trancos e barrancos, o casamento se arrastava há doze anos. A mulher evitava qualquer discussão com o marido, tentando preservar o sossego do lar.

Não havia empregada doméstica que durasse na casa do casal, por causa das grosserias de Marcolino.  Saía uma e entrava outra. Rosilda vivia cansada e não aguentava mais o ritmo de vida que vinha levando. O marido, simplesmente, não lhe dava o direito de dirigir a casa ao seu modo. O homem fiscalizava todos os gastos domésticos, até o modo de abrir e fechar as torneiras, que só deveriam ser abertas depois que a louça estivesse ensaboada.

À noite, depois do jantar, a casa ficava, praticamente, às escuras. O dono da casa só permitia que ficasse ligada uma única lâmpada, fora a luminosidade da televisão. Também não admitia empregada doméstica dando uma de cantora, dentro de sua casa. Quando a esposa conseguia uma empregada, avisava logo que seu marido não gostava de ouvir empregada cantando. Além disso, ele, gratuitamente, detestava determinadas músicas e certos cantores.

Por mais que a esposa lhe pedisse para que tivesse paciência com todos dentro de casa, de nada adiantava.

Rosilda já vivia nervosa com o  "entra e sai" de empregadas domésticas. A última que trabalhou na casa do casal foi dispensada pelo patrão, por ter sido flagrada, à tarde, cantando em voz alta, a música que estava tocando no rádio, enquanto ela passava ferro na roupa da família.

Com essa atitude do marido, a esposa, uma grande sofredora, entrou em desespero e o ameaçou de pedir a separação. Por conta disso, ele lhe disse que iria a uma agência de empregos, à procura de uma boa empregada doméstica. Saiu de casa, mas, ao invés de ir à tal agência, resolveu mandar publicar um anúncio nos classificados do mais lido jornal da cidade, à procura de uma empregada. E logo saiu nos classificados do "Diário da Cidade" o seguinte anúncio: 

“PRECISA-SE DE EMPREGADA DOMÉSTICA, QUE NÃO CANTE NO EMPREGO, PRINCIPALMENTE “TARDE FRIA”, IMITANDO CAUBY PEIXOTO.”Tratar pelo telefone 222 88 77 44”.


Era a década de 60, e a música que a empregada estava cantando, e que motivou sua despedida do trabalho, estava no auge do sucesso, na voz de Cauby Peixoto, e era da autoria de Ângelo Apolônio e Henrique Lobo.

Para quem não conhece, a música era esta:

Tarde fria,
sozinho espero.
Só você, que não vem,
eu quero...

Tarde fria,
sinto frio na alma.
só você, que não vem,
me acalma...

E o vento sopra frio,
gelando...
e eu, sem você,
até quando?

Vem o vento,
e a tarde é fria.
Estou só,
e minha alma vazia...














terça-feira, 26 de agosto de 2014

O CANDIDATO TRAPALHÃO (IV)

www.vesoloski.eti.br

Se Osvaldinho – dublê de ex-motorista e marqueteiro – era seu principal assessor de campanha, seu braço direito mesmo, nem por isso Araújo dispensava os conselhos da prima Valenciana, mulher de corpo roliço, roupas curtas e decotes generosos, com quem mantivera até passado recente relacionamento íntimo.

Valenciana funciona como uma espécie de personal style do candidato. Foi nessa condição que ela foi ao Legislativo para ver como se vestem e se comportam, nas sessões e nas festas quase diárias, os parlamentares, ou pelo menos boa parte deles. Ficou muito bem impressionada com o que viu:

-- Primo: a onda ali é pintar o cabelo de acaju, muito embora o preto retinto também seja muito bem aceito pelos homens mais velhos, de sua idade. Precisamos optar por uma cor ou outra. Também nada de beber essas porcarias que você bebe. Só uísque, esqueça rabo de galo e pinga com limão. Pega mal. Muitos também fumam charuto cubano. Pega bem.

-- Não posso fumar, tenho asma, você sabe disso.

-- Não precisa tragar. Tem mais: é importante fazer “cara de conteúdo”. Mesmo que você não entenda bem o que está sendo dito, jamais passe recibo. Por fim, pelo visto, muitos têm um “cacho”. Mas disso eu dou conta. Às mudanças. 


SOBROU PRO VELHO

sa-carola.blogspot.com
A conversa rolava sossegada, sábado noite menina, domingo chegando, macarronada caseira à vista. Com direito à sobremesa da avó. Melhor impossível. Mas... O pequeno cão tinha que entrar na prosa frouxa.

-- Que coisa! Castraram o coitado, mas o pintinho dele continua do mesmo tamanho, até parece que cresceu – disse a mãe do dono do cachorro.

O pai do dono do cachorro perdeu a paciência:

-- Marieta: o cachorro foi castrado, não foi capado, entendeu? Ou seja, minha velha de anos: fizeram com ele o que fizeram comigo: vasectomia, não posso ter filhos, mas o pinto continua o mesmo.

-- Você que pensa. No seu caso, algo deu errado.

-- Como assim?

-- Teu pinto sumiu.



CLÓVIS CAMPÊLO

INSÔNIA



A primeira lembrança que esse título me traz à mente é o livro homônimo de Graciliano Ramos lançado em 1947 pela Editora José Olympio. Seu Clóvis, meu genitor, tinha na estante de casa toda a coleção do escritor alagoano, que tive a sorte de ler ainda na adolescência.

Meu pai não era um intelectual no sentido estrito do termo, mas tinha uma pequena e eclética biblioteca caseira onde desfilavam alguns grandes autores: Graciliano Ramos, Albert Camus, Vladimir Nabokov, entre outros. Mas tinha também na estante autores populares, como Marcial Lafuente Estefanía, um espanhol que gostava de escrever sobre o velho oeste, e heróis da literatura de massa americana, como Irving Le Roy, detetive de cabelos prateados, e Shell Scott, um ex-fuzileiro naval americano que lutou na Guerra do Pacífico e que criava peixinhos dourados no seu escritório. Diante deles, costumava decifrar as mais incríveis incógnitas policialescas.

Entre as heroínas, lembro-me de Giselle, a espiã nua que abalou Paris. Integrante da Resistência Francesa na II Guerra Mundial, usava a sua beleza e formosura para arrancar informações dos oficiais nazistas. Descoberta e fuzilada pelos alemães, Giselle deixaria uma filha, Brigitte Montfort, que transformada em agente super espiã da CIA, ajudaria Tio Sam na Guerra Fria contra a expansão ideológica da então União Soviética. Cercados por tantos e fabulosos heróis, estávamos à salvo do perigo vermelho no Pina dos anos 60.

Contudo, amigos, não era minha intenção ir tão longe nessa abordagem memorialista da pequena biblioteca do meu pai. Queria apenas fazer referência ao livro de Graciliano Ramos, tomando-o como leitmotiv para falar da insônia que hoje de vez em quando me atormenta.

CLÓVIS CAMPÊLO

De início, também lembrei-me da falta de sono que atormentava Michael Jackson e que terminou por fugir do seu controle e levá-lo à morte. O astro pop ficava várias noites sem dormir e tentava explicar isso como resultante da adrenalina que lhe deixava excitado após cada show. Afirmava que perdia, em média, quatro quilos por apresentação e de madrugada, na solidão dos quartos de hotel, não conseguia conciliar o sono. Diariamente, necessitava de um coquetel de sedativos e soníferos para desfrutar de algumas horas de descanso. Embora não nutrisse por ele grandes admirações, não deixei de me comover com o seu drama pessoal.

De Graciliano Ramos a Michael Jackson, muita águas rolaram na minha vida e no mundo. Hoje, ambos estão mortos, muito embora ainda sejam respeitados e admirados nas suas respectivas áreas.

Quanto a mim, utilizo a minha insônia como motivo para mais uma crônica. Nas madrugadas barulhentas do bairro da Madalena, onde hoje moro, faço da varanda do meu apartamento um mirante privilegiado onde procuro observar a lua e as estrelas no céu, à noite, e o movimento incensante dos automóveis pela madrugada.

Tudo ao som de Moonlight Serenade, de Glenn Miller.

Recife, julho 2014


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