Lula: valentia de palanque Foto: Google |
LULA
E A IRONIA DA HISTÓRIA
Assim
como no sindicalismo, os intelectuais transformaram
o PT
numa cesura. Seria o primeiro partido de trabalhadores
da
história do Brasil. Tudo o que existiu antes de 1980
não
passava de pré-história – e que deveria ser ignorada
Por
Marco Antonio Villa
Correio
Braziliense/Estado de Minas
31/01/2018
Lula
sempre teve como princípio não ter princípio. Isto desde o início da sua vida
sindical, em 1972, quando seu irmão, frei Chico, o colocou na diretoria do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, como um representante
informal do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão.
Nem
bem se instalou no cargo – era diretor de Previdência – esqueceu o acordo que
fez com o irmão e começou a fazer a sua própria política. Três anos depois
assumiu a presidência do sindicato. Liderou greves. Era radical na frente dos
trabalhadores e conciliador junto ao empresariado. Usou das paralisações para
se projetar no mundo sindical. Apagou as lideranças que o precederam e impediu
o surgimento de outras. Temia comparações. Contou com a preciosa ajuda de
intelectuais. Estes construíram o mito do dirigente sindical autêntico, que
rompia com o peleguismo e o velho Partidão. Ele era o novo. Com ele nascia o
verdadeiro sindicalismo, de acordo com seus acólitos. Toda história precedente
do ABC paulista, com greves desde a primeira década do século XX, foi ignorada.
Em
1980 participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. Logo foi alçado à
presidência. Assim como no sindicalismo, os intelectuais transformaram o PT
numa cesura. Seria o primeiro partido de trabalhadores da história do Brasil.
Tudo o que existiu antes de 1980 não passava de pré-história – e que deveria
ser ignorada. Assim, Lula teria sido o líder que construiu duas rupturas: no
sindicalismo e na política partidária.
Lançou-se
candidato ao governo de São Paulo, em 1982. Ficou em quarto lugar. O partido
também não alcançou o número mínimo de votos para ter representação
parlamentar. Porém, o regime militar transferiu a exigência legal para 1986. O
objetivo era claro. Dar espaço político para que o PT disputasse com os
adversários temidos pelo regime militar: os comunistas e os brizolistas.
Participou
da campanha das diretas já. Usou da estrutura do PMDB para ficar conhecido
nacionalmente. Sempre buscou a divisão. Não apoiou a candidatura Tancredo
Neves. Em 1986 foi um dos deputados mais votados mas o PT elegeu apenas 16
parlamentares. Na Assembleia Constituinte teve papel irrelevante. Faltou a boa
parte das sessões. Não conseguia acompanhar os debates. A complexidade da
construção de uma nova Constituição estava muito acima da sua capacidade de
entendimento.
Em
1989 aproveitou o clima favorável e chegou ao segundo turno da eleição
presidencial. No momento mais tenso da campanha – a semana que precedeu a
eleição – não conseguiu enfrentar seu adversário, Fernando Collor. Perdeu o
último debate assim como a eleição. Cinco anos depois tentou novamente. Foi
derrotado no primeiro turno. Em 1998 diz que foi para o sacrifício. Foi
humilhado no primeiro turno. Depois de quatro derrotas consecutivas para o
Executivo – incluindo a eleição de 1982 – teve sua liderança questionada. Como
de hábito, não aceitou. Queria permanecer como líder inconteste e, claro,
sustentado pelo partido. Não trabalhava desde 1972! Em 2002 completaram-se
trinta anos de ociosidade. Mesmo assim, seus comparsas espalhavam aos quatro
ventos que o Brasil teria a oportunidade de, pela primeira vez, eleger um
trabalhador para a Presidência da República.
Marco Antonio Villa é historiador |
Pensando
em chegar ao poder de qualquer forma, Lula buscou, desta vez, alianças
políticas com setores que eram considerados reacionários. Fez um acordo com o
Partido Liberal. Comprou a aliança por dez milhões de reais e compôs a chapa
com o empresário José Alencar. Venceu duas vezes, mesmo em meio aos escândalos,
especialmente o mensalão. Contou com a passividade do principal partido de
oposição, o PSDB. Alcançou sua maior glória no segundo mandato. Foi chamado de
estadista. Continuava o mesmo da época do sindicato: sem caráter, sem
princípios, um oportunista. Mas sempre sagaz. Lia bem a conjuntura política,
favorecido – é verdade – pela mediocridade dos políticos oposicionistas.
Conseguiu – com base em duas campanhas milionárias, as mais caras da história –
eleger um poste como sucessor.
Mas
foi em 2014, paradoxalmente, que teve seu grande tropeço. Foi emparedado por
Dilma Rousseff. Queria voltar e se perpetuar no poder. Tinha tentado, em 2008,
alterar a Constituição permitindo três mandatos consecutivos, mas não passou
das confabulações iniciais. Estando doze anos no governo, o PT tinha, em 2014,
todas as condições para eleger Lula e estabelecer o continuísmo ad eternum. Contava com a simpatia da
direita parlamentar lulista, o apoio do grande capital e a falta de
combatividade dos tucanos. Vencendo, iria concluir a tomada do aparelho de
Estado. Era, como definiu o ministro Celso de Mello, o projeto criminoso de
poder. Seria inimaginável um processo de impeachment contra Lula, como ocorreu
com sua sucessora. Ou alguma condenação judicial. Assim, suprema ironia da
história, o Brasil foi salvo por Dilma Rousseff.
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