QUASE HISTÓRIAS

OS RANHETAS

As mulheres de hoje sofrem menos que as de antigamente, embora ainda sejam vítimas de discriminações absurdas. Se elas são mais felizes, não sei. Suponho que sim. Afinal, não pensam duas vezes antes de despachar os maridos para os quintos do inferno. Os muito chatos que se cuidem. Antes, não: elas tinham que tolerá-los até que a morte etc. e tal.

Tonico e Odair foram muito parecidos. Eram trabalhadores, honestos e chatos. Passaram a vida reclamando de uma queimação no estômago que médicos e remédios jamais conseguiram debelar. 

Durante décadas, além do arroz com feijão, ovo cozido e salada de rúcula, Tonico não aceitava outra mistura que não fosse picadinho – desde, é claro, que o picadinho fosse feito por Isaura, a mulher. Quando o convidavam para qualquer festa, ia “jantado”. Só aceitava pão puro e água sem gás. Por precaução, Odair não aceitava convite algum. Sua mulher, Odete, não teve melhor sorte que Isaura. Perdeu parte da vida fazendo massa e molho caseiros. O estômago de Odair, ao menos era o que ele dizia, não aceitava produtos industrializados.

As semelhanças entre Tonico e Odair iam além da queimação no estômago e das obsessões gastronômicas. Ambos não dispensavam torresminhos e umas doses diárias de cerveja e de aguardente com limão. Desde que fossem degustados longe dos olhos de Isaura, Odete e demais familiares. (OS)