Onze horas. Um homem bem vestido (para os padrões locais, evidentemente) entra no bar, deseja (em tom solene) que “todos os senhores tenham um excelente dia”, dirige-se até o balcão, cumprimenta o dono da espelunca, pede um aperitivo e uma lata de cerveja, vai até a mesa mais retirada, senta-se, abre o jornal em determinada página, saca a caneta do bolso, dá um gole no aperitivo e outro na cerveja, escreve algo que ninguém ali imagina o que seja, olha para o alto como se pedisse ajuda divina, baixa a cabeça de novo, escreve mais alguma coisa, dá um gole no aperitivo e outro na cerveja, volta a olhar para o alto etc.
Esse ritual leva cerca de uma hora, período em que, por nenhuma vez, virou a página do jornal. Levanta-se, vai até o balcão, pede um novo aperitivo (que entorna de uma vez, ao contrário do que fizera com o primeiro, sorvido aos golinhos), paga a conta, despede-se do dono do bar, deseja (sempre em tom solene) que “todos os senhores tenham uma excelente tarde”.
Mal atravessou a rua, começaram as especulações: quem seria a figura,
de onde viera, era morador novo no bairro, que fazia da vida, já tinha
aparecido por ali antes, por que olhava tanto para o alto antes de escrever,
por que não virava a página do jornal? As indagações eram muitas, do tamanho da
curiosidade humana.
Infelizmente, Carneiro, o dono do boteco, também não tinha maiores informações sobre aquele homem bem vestido (para os padrões locais, evidentemente). Sabia apenas que era a segunda vez que aparecia ali, que hoje repetiu o ritual de ontem, que se mudara para a casa do falecido J. Pinto (na rua debaixo), que ele se chamava Romualdo Bastos e que, salvo engano, ele viria todos os dias, aposentado que era. Nada mais que isso.
Infelizmente, Carneiro, o dono do boteco, também não tinha maiores informações sobre aquele homem bem vestido (para os padrões locais, evidentemente). Sabia apenas que era a segunda vez que aparecia ali, que hoje repetiu o ritual de ontem, que se mudara para a casa do falecido J. Pinto (na rua debaixo), que ele se chamava Romualdo Bastos e que, salvo engano, ele viria todos os dias, aposentado que era. Nada mais que isso.
O pessoal do bilhar deixou os tacos de lado, para se concentrar nas
especulações. Para fulano, o homem era investigador e estava de campana, atrás de
informações sobre o paradeiro de Chiquinho da Maconha, o principal traficante
da área. Para beltrano, não era nada disso, não. Logo se via, pela grossura dos
óculos, que não era polícia coisa nenhuma. Nunca tinha visto investigador de
óculos com lentes tipo fundo de garrafa, coisa para intelectual, gente que lê
muito. Sicrano observou que os óculos poderiam ser um disfarce, investigadores
e detetives adoram disfarces, era bom não se fiar no homem. Alguém sugeriu que
a turma lhe desse uma prensa, para que revelasse quem era. Carneiro achou a operação
arriscada, melhor todo mundo ficar quieto, não dizer palavra enquanto ele
estiver no bar.
O mal-estar só se dissipou
quando Toninho Moleza chegou e disse:
-- Seu Romualdo gostou muito do ambiente daqui, Carneiro. Disse que
virá todos os dias.
-- E você conhece Romualdo Bastos, Toninho Moleza? – quiseram saber
todos.
-- Claro! Minha mãe faz faxina na casa dele há uns dez anos ou mais,
desde o tempo em que ele morava na Penha. É gente boa. Só tem um vício:
palavras cruzadas.
OUTUBRO DE 2013
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