O Pátio da Santa Cruz, no Recife |
Houve um tempo em que a janela do meu quarto dava para os telhados dos casarões do bairro da Boa Vista.
Nas noites quentes de verão, da janela do meu quarto, podia ver os gatos vadios peregrinando sobre as telhas em busca de sexo, ratos e outras bobagens mais.
Nos dias claros de verão, quando o céu iluminado do Recife intensificava o seu azul, da janela do meu quarto, podia ver as torres brancas da Igreja de São Gonçalo, realçadas, contrastando com o vermelho queimado dos telhados.
Nas manhã invernosas, da janela do meu quarto, via a cidade esfriar e se perder nas brumas da chuva fina e constante.
Nos Domingos de Ramos, da janela do meu quarto, podia ver os fiéis se encaminhando à igreja, logo cedo, pela manhã, com seus ramos de palmeiras, atendendo ao chamado dos sinos que convocavam para a primeira missa do dia e simbolizando a entrada de Cristo em Jerusalém, montado em seu burrico.
CLÓVIS CAMPÊLO |
Nos sábados pagãos, da janela do meu quarto, podia ouvir o burburinho do Mercado da Boa Vista em festa, com seus bêbados e boêmios alegres convidando-nos aos prazeres inevitáveis do pecado.
Nos dias de carnaval, da janela do meu quarto, podia ouvir os clarins do frevo, com seus passistas famosos, e o baticum incessante dos maracatus no Pátio da Santa Cruz, com seus reis e rainhas negros e célebres.
Da janela do meu quarto, ainda nos dias alegres dos carnavais, escutava a algazarra das laursas e o som do bumba-meu-boi, cultuando a tradição e se negando a aceitar a modernidade que começava a invadir a cidade pequena e decente.
Da janela do meu quarto, vi o tempo passar, qual rio incessante e sinuoso, e desaguar no mar do futuro, deixando para trás lembranças, pessoas, amigos, fatos, parentes, pedaços da vida.
Recife, 2010
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