sábado, 7 de fevereiro de 2015

CLÓVIS CAMPÊLO

QUEM PUXA AOS SEUS NÃO DEGENERA!

Clóvis Campêlo
Isso quem diz é o dito popular. Mas, se a voz do povo é a voz de Deus, não há do que reclamar. Assim, herdamos dos nossos antecessores não só as características positivas, como também o que há de ruim e negativo.

Do meu pai, por exemplo, herdei a hipertensão severa que, como doença degenerativa que é, já se desdobra em outras consequências. Meu pai morreu cedo, em consequência de acidente vascular cerebral hemorrágico acontecido poucos dias antes do seu aniversário de 63 anos. Morreria poucos meses depois, em outubro de 1983.

Assim como ele, fiquei hipertenso cedo, aos 33 anos. De lá para cá tem sido uma longa caminhada de convivência e conhecimento da doença. Embora tenha deixado de fumar na época, só larguei a cervejinha agora, aos 63 anos, depois de uma isquemia cerebral que me deixou dez dias no hospital, em novembro próximo passado. Coincidentemente, a isquemia também aconteceu poucos dias antes do meu 63º aniversário. Na UTI do hospital, reencontro Paulo Felinto, um primo da minha mãe, da cidade do Rio Formoso, o qual não via há mais de 30 anos. Recuperei-me e tive alta, mas Paulo não teve a mesma sorte, vindo a falecer. Quando se entra na chamada terceira idade, tudo pode acontecer a qualquer hora do dia ou da noite.

Da minha mãe, herdei a diabetes melitus. No entanto, contrariamente à hipertensão, a doença só veio se manifestar no início de 2013. Outra doença que evolui, mesmo com os cuidados necessários, e nos priva de alguns dos muitos prazeres da vida. Diante da evidência desses dois males, só nos resta repensar a vida e o nosso comportamento diante dela.

Não nos basta, porém, a dieta adequada. O uso de medicamentos passa a ser necessário e, assim, nos vemos diante de outros problemas e situações. Se a medicação por um lado nos ajuda a controlar as doenças, por outro lado pode nos provocar reações inconvenientes e problemáticas. As chamadas doenças iatrogênicas podem se desenvolver a partir daí. Reações alérgicas são possíveis, mesmo para medicamentos que já são utilizados há muito tempo. Alterações físicas, químicas e psicológicas podem ocorrer no nosso organismo, provocando sintomas nem sempre agradáveis ou suportáveis. É preciso estar atento e forte na observação e no controle desses efeitos. Nessa estratégia de sobrevivência, médicos e pacientes tornam-se quase parceiros. Quiçá se tornem até amigos ao longo dos anos.

Mas a herança genética familiar pode até mesmo nos levar à doenças herdadas de parentes mais distantes. Hoje, sofro também de artrite gotosa, provocada pelo excesso de ácido úrico no meu organismo, por minha incapacidade orgânica de eliminar convenientemente as purinas. Meus pais não sofriam desse mal. Descubro, porém, um primo longínquo, pelo lado materno, portador desse mal e de onde pode ter vindo essa minha outra herança. Chamava-se João. Eu o conheci já velho, quase cego, capengando com as juntas entrevadas. Atendia a todos, sem ressentimentos pela alcunha de João da Gota. Je vou salue, João, pela dignidade de ter vivido a vida do que jeito que a vida a ti se ofereceu. Além de João, a todos eu saúdo pela herança genética que fez de mim o que eu sou.

Afinal, quem puxa aos seus não degenera!

Recife, fevereiro 2015


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