Liga, não liga? Liga,
não liga? O inferno de sempre, falsa dúvida. Sabia que teria que ligar, pra
saber do pai, da mãe, sobrinhos, família e do cachorro há muito sepultado.
Convenções. (Atire pedras quem vive sem essas pragas domésticas: as
convenções.) Ligou, sabedora do que a esperava:
-- Oi, mana, tudo bem?
-- Oi, Arlete. Bem
nada, menina. Ando tão cansada, tão cansada. Tudo tão difícil. Como é custoso
viver. Tenho muitas dores nas pernas, nos ombros. Calos nos pés me assombram.
Sem falar da falta de ar, das rachaduras nos bicos dos seios... Ando tão cansada...
Esporão. Aftas. O pai teima demais, a mãe está pior que ele, Juninho não quer
saber de estudar, Isolda dá pra todo mundo, é o que dizem. Se ainda desse pra
rapaz de futuro... Estou tão cansada, Arlete, minha irmã. Rezo pro dia não
amanhecer, imploro pra noite chegar. Estou tão cansada. Minha vida é fazer
comida, limpar a casa, lavar e passar roupa... Arlete, alô, alô?
-- Tia, não é Arlete, é
Marilda, sua sobrinha.
-- Cadê sua mãe?
-- Sua prosa a levou a
nocaute. Caiu de cansaço. Até loguinho.
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