(Por José Nêumanne) Dilma
Rousseff disse, em 1.º de julho de 2013, que seu governo tinha o “padrão
Felipão”, em resposta a uma pergunta sobre se seus ministros tinham “padrão
Fifa”. Referia-se ao ex-técnico da seleção brasileira Luiz Felipe Scolari após
reunião ministerial depois da vitória sobre a Espanha por 3 a 0 no Maracanã,
onde ela seria vaiada várias vezes domingo, na final da Copa, antes e ao
entregar a taça ao capitão alemão, Philipp Lahm. A comparação tinha sido feita
na temporada de protestos nas ruas em que o povo exigiu “padrão Fifa” para a
gestão pública federal, nada exemplar. Apesar de ter escolhido o treinador como
modelo, ela não foi entregar a Copa das Confederações ao time que ele treinou.
Um ano e 13 dias depois, tendo o mesmo time sofrido hecatombes inéditas nos
jogos finais da “Copa das Copas”, ela o relegou ao ostracismo para se refugiar
no verso de um samba de Paulo Vanzolini (“levanta, sacode a poeira e dá a volta
por cima”) e na criatividade (“a derrota é a mãe de todas as vitórias”).
Dilma
não atuou na seleção nem a treinou. Não é também dirigente da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF). Mas não resiste a recorrer ao dito esporte bretão
para parecer simpática. Nascida em Minas, comemorou a conquista da Libertadores
da América pelo Atlético Mineiro em 2013 em redes sociais. “Congratulo (sic)
com toda a torcida do Atlético pela conquista do título. Eu sou torcedora do
Atlético e, quando criança, ia com meu pai a muitos jogos do Galo no Mineirão”,
postou. Não faltou quem nos mesmos veículos lembrou que 1) como nasceu em 1947,
tinha 18 anos e, portanto, não era criança, quando o estádio foi inaugurado; e
2) que o pai morrera em 1962, três anos antes de sua inauguração.
Consta
que Clio, a deusa da história, é irônica. Pelo visto, os deuses do futebol
também. Em 8 de julho o estádio foi palco da derrota mais humilhante que o
Brasil sofreu na história, ao perder de 7 a 1 na semifinal da Copa. Dela o
técnico saiu como padrão de incompetência, e não de excelência.
Nenhum
torcedor dotado do mínimo de bom senso teria apostado pesado no time de Scolari
na Copa: ganhou da Croácia com a ajuda do juiz, empatou com o México contando
com muita sorte e ao vencer Camarões passou para as oitavas de final contra o
Chile, e não contra a Holanda, por absurdos erros do árbitro, que anulou dois
gols legítimos dos mexicanos no jogo de estreia contra os africanos. A trave
nos últimos segundos da prorrogação e no último pênalti carimbou o passaporte
para as quartas de final contra a Colômbia, que nunca foi páreo para a
canarinha nos melhores momentos dela e nos piores desta. O Brasil ficou entre
os quatro melhores com a ajuda da sorte e de apito amigo.
Mas
na véspera da semifinal contra a temida Alemanha a presidente resolveu apostar
todas as fichas de chefe de governo e de Estado e de candidata à reeleição no
“padrão Felipão” de excelente gestão. A página oficial da Presidência da
República na internet, usada na campanha eleitoral com uma sem-cerimônia só
comparável à do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao desconhecer o fato,
divulgou sua “conversa” com internautas sobre a Copa. Chamou os adversários de
“urubus”, condenou o “pessimismo indevido” de um sujeito oculto chamado
imprensa, vulgo “mídia golpista”, e adotou como mascote de palanque o craque
Neymar, cuja dor, ao ser atingido por um jogador do time que fora menos
violento do que o Brasil no jogo, segundo ela, “feriu o coração de todos os
brasileiros”. Para completar, sem se dignar a explicar o significado do gesto
nem da expressão, copiou do astro do Barcelona o “é tóis”, paródia criada por
ele para o “é nóis” dos corintianos, com a letra T formada pelos braços e pelo
cotovelo. E enquanto a torcida lhe fazia eco gritando o nome do ídolo ferido,
os alemães impingiram à seleção mais campeã das Copas a pior goleada em
semifinais do torneio.
José Nêummane/Site do jornalista |
Felipão,
fiel a seu padrão de embromation, mal consumado o desastre, elogiou o próprio
trabalho, lembrando que seu “grupo” – sua “família”, ou seja, as vítimas de
suas doses patéticas de autoajuda – foi o primeiro a chegar a uma semifinal
desde a Copa em que ele mesmo treinou o time campeão, em 2002, há 12 anos. O
auxiliar técnico Carlos Alberto Parreira comprometeu o respeitável currículo de
campeão mundial de 1994 lendo na entrevista a carta de uma fã que elogiou a
preparação do time de um esporte cujos fundamentos ela própria dizia
desconhecer.
Antes
de o “padrão Felipão” ser submetido a outro vexame na disputa pelo terceiro
lugar contra a Holanda na arena Mané Garrincha, com o nome de um gênio do tempo
em que nosso futebol tinha cara e vergonha, os bombeiros do Planalto correram
para salvar a chefe do incêndio. Descalçaram-lhe as chuteiras e ela pôs de novo
o capacete de chefe de obras, para jogar espuma sobre a tentativa canhestra de
barganhar o sucesso da seleção por votos na eleição. Apelaram até para o óbvio:
“Futebol e política não se misturam”. Fez-se isso com desleixo idêntico ao de
estropiarem a frase de Nelson Rodrigues “a pátria em chuteiras” por outra, que
só adquiriu nexo após o vexame: “a pátria de chuteiras”. Dilma e seu professor
(assim os pupilos chamam seus técnicos) usaram pátria, hino e bandeira para
chutar a realidade para escanteio.
Dilma
ainda contribuiu para o besteirol de político ignorante em esporte ao atribuir
o chamado mineiratsen à exportação dos melhores jogadores nacionais para o
exterior. O uso da palavra exportação, cabível para médicos cubanos, mas não
para nossos craques, omite as evidências de que a seleção atuou em nível
similar ao dos campeonatos locais por absoluta incapacidade de dirigentes que
se recusam a aprender como se joga nos mercados que hoje vencem. E de
governantes que perdoam as dívidas monstruosas acumuladas por estes bancando
papagaios de pirata para ganhar votos, perdendo o pudor e as Copas.
José Nêumanne.
Jornalista, poeta e escritor
(Publicado em O Estado de S.
Paulo na quarta-feira 16 de julho de 2014)
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