(Por Marco Antonio Villa) Amanhã, dia 16 de julho, completam-se
15 anos do falecimento de André Franco Montoro. Ele percorreu um caminho raro
entre os políticos brasileiros: foi vereador, deputado estadual, deputado
federal, senador, governador e ministro de Estado. Contudo nunca afastou o
exercício da função pública da elaboração de ideias que tivessem aplicação
prática na vida das pessoas. O fortalecimento da sociedade civil sempre foi uma
preocupação central da sua ação, isso num país onde o papel do Estado foi
superdimensionado, tanto pela direita como pela esquerda.
Marco Antonio Villa |
Montoro teve na
democracia cristã do pós-guerra a sua matriz ideológica. E com base nesse
pensamento agiu como um pedagogo da política, escrevendo, debatendo e formando
militantes. Por onde passou foi deixando a sua marca. Nos dez meses em que
esteve à frente do Ministério do Trabalho, durante o Gabinete Tancredo Neves,
foi pioneiro no incentivo à sindicalização rural – tema, à época, explosivo – e
criou o salário-família.
Na Câmara dos Deputados
destacou-se na defesa dos trabalhadores e da democracia. Tanto que, após a
extinção dos partidos políticos, em 1965, foi um dos primeiros a organizar o
MDB. Cinco anos depois foi eleito senador, numa eleição marcada pelo medo, no
auge do regime militar.
Nos anos de vida parlamentar
foi um incansável propagador da integração econômica e cultural com a América
Latina. De início foi voz solitária. Poucos se interessavam. Mas a pregação foi
ganhando adeptos até ser incorporada à Constituição de 1988.
Assumiu o governo de
São Paulo em março de 1983. O País estava em recessão – o produto interno bruto
(PIB) caiu 2,9% – e com uma inflação anual de 211%. A economia estadual passava
por uma profunda crise. O número de desempregados não parava de aumentar. E as
finanças estaduais estavam em petição de miséria após o trágico quadriênio
Maluf-Marin.
Organizou um
secretariado de nível ministerial. Teve entre seus principais colaboradores
(incluindo os bancos e empresas estatais paulistas) José Serra, João Sayad,
Luiz Carlos Bresser-Pereira, Almino Affonso, Miguel Reale Júnior, Almir
Pazzianotto, José Gregori, Paulo Renato e Paulo de Tarso, entre outros. Nomeou
para a Prefeitura de São Paulo Mário Covas. Entendeu que na administração
pública deviam ser escolhidos os melhores. E que o governador não devia temer a
competência dos seus auxiliares, muito pelo contrário.
Pôs em prática os
princípios defendidos desde os anos 1950. Fez da descentralização um dos
carros-chefes do governo. Insistiu na tese de que o município é a base da
democracia, da boa gestão e onde o cidadão vive. Fez o saneamento financeiro
zerando o déficit orçamentário graças à austeridade nos gastos. Diversamente do
governo anterior, deu à ética um papel central. Relacionou-se com a Assembleia
Legislativa de forma republicana. Acentuou a necessidade da participação do
cidadão nos negócios públicos. E foi o primeiro governador a ter preocupação (e
ação) com o meio ambiente – basta recordar o tombamento da Jureia, onde Paulo
Maluf queria construir duas usinas nucleares.
Conviveu com diversos
movimentos grevistas. Reivindicações contidas à força pelos governos anteriores
acabaram eclodindo. Soube buscar soluções harmoniosas em meio à tensão
política. No tristemente célebre episódio da derrubada das grades do Palácio
dos Bandeirantes agiu com moderação. Sabia que estavam em jogo a abertura
democrática e o exercício da autoridade. Era uma provocação arquitetada pelos
extremismos à direita e à esquerda. Tomou as decisões necessárias e saiu
engrandecido.
A campanha das diretas
teve início – efetivamente – no dia 25 de janeiro de 1984, no comício da Praça
da Sé. Foi um ato de ousadia e coragem política. Poucos acreditaram no sucesso
do comício. E a participação de 300 mil pessoas demonstrou a correta análise de
conjuntura do governador Montoro. A partir daí, a campanha deslanchou. Foram
realizados dezenas de atos por todo o Brasil. E em São Paulo, em 16 de abril,
foi encerrada com o maior comício da História do Brasil.
A derrota da Emenda
Dante de Oliveira não desanimou o governador. Tornava-se indispensável a união
da oposição. Passou a articular uma frente de governadores. Era natural que
fosse o candidato oposicionista no Colégio Eleitoral. Afinal, o PMDB de São
Paulo tinha a maior bancada na Câmara dos Deputados, o presidente nacional do partido
era paulista, governava o mais importante Estado da Federação e tinha sido
eleito com mais que o dobro de votos do segundo colocado.
O interesse do País,
porém, estava acima de qualquer veleidade pessoal. Montoro identificou no
governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, o nome ideal para unir a oposição e
dividir o PDS, estimulando o surgimento de uma dissidência, essencial para
obter a maioria no Colégio Eleitoral. E foi no Palácio dos Bandeirantes que
Tancredo foi lançado candidato do PMDB à Presidência da República. Não deve ser
esquecido que naquele momento, agosto de 1984, a sorte da sucessão presidencial
não estava decidida. O País corria o sério risco de ter Paulo Maluf como
presidente da República por seis anos e com poderes arbitrários garantidos pela
desastrosa Emenda Constitucional n.º 1 de 1969.
Desiludido com os rumos
do PMDB, foi fundador do PSDB, em 1988. Criou o símbolo do partido: o tucano.
Foi um defensor do parlamentarismo. Mesmo adoentado continuou entusiasmado pela
política. Morreu quando estava a caminho de um seminário no México.
O esquecimento de
Franco Montoro é um ato perverso. Perverso para a jovem democracia brasileira,
tão carente de exemplos que dignifiquem o compromisso com o interesse público.
Perverso porque vivemos um momento em que abundam políticos profissionais e são
cada vez mais raros os homens públicos.
MARCO
ANTONIO VILLA É HISTORIADOR.
Este
artigo foi publicado na edição de hoje (15/07) em O Estado de São Paulo
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