SEU ARIANO
Ariano, mestre |
E lá se foi seu Ariano.
O mês de julho fica assim marcado por mais uma morte literária. Um autor que
soube fazer a junção da cultura erudita com a tradição oral da cultura popular.
Juntou tudo, colocou no liquidificador da imaginação e criou, entre outras
coisas, o Movimento Armorial.
Lançada em 1970,
segundo definição do próprio Ariano no Jornal da Semana de 20 de maio de 1975,
a arte armorial seria aquela que tem como traço comum principal a ligação com o
espírito mágico da literatura de cordel, com a música de viola, rabeca ou
pífano que a acompanha, e com a iconografia das xilogravuras que ilustram as
suas capas.
Alguns podem até
questionar que esta teria sido mais uma apropriação indébito da arte do povo
por um autor pequeno burguês, muito embora tenha resultado em obras fantásticas
e de grande identificação como o imaginário do homem nordestino da classe
média.
Outros podem até
classificá-lo como xenófobo, haja vista a sua aversão pelo “modernismo”
influenciado por culturas alienígenas. Quem não se lembra, por exemplo, do
questionamento que teria feito a Chico Science sobre a adoção de tal nome: “Por
que não Chico Ciência?”. Quem não se lembra, por exemplo, que sempre
desconsiderou a Bossa Nova como um movimento musical autenticamente brasileiro,
acusando-a de descaracterizar a MPB sob a influência do jazz? Quem não se
lembra, por exemplo, da aversão que nutria pelo Movimento Tropicalista dos
baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, por achar que avacalhava a cultura
brasileira expondo os seus ridículos e contradições?
Poucos se lembram,
porém, de que a tradição cultural popular nordestina está enraizada na cultura
portuguesa medieval, transplantada para cá por nossos invasores e
colonizadores. Nesse sentido, mestre Ariano “apenas” recusava-se a aceitar as
influências modernizadoras da nossa cultura, reconhecendo como autêntico
somente o que se manteve inalterado ou pouco modificado pela passagem do tempo.
Clóvis Campêlo |
Poucos se lembram
também que embora professasse ultimamente o credo socialista, resultante da
aproximação que teve com o ex-governador Miguel Arraes, do qual foi vizinho no
bairro de Casa Forte, nos anos 70, anos de chumbo da ditadura militar, foi
secretário de cultura no governo biônico do prefeito Antônio Farias, entre 1975
e 1978, além de sócio fundador do Conselho Federal de Cultura, em 1967,
indicado pelo reitor Murilo Guimarães da UFPE.
A aproximação com o
ex-governador Miguel Arraes no início dos anos 90, aliás, levou-o a ocupar o
cargo de Secretário Estadual de Cultura.
De agnóstico à cristão,
de integrante do governo militar da ditadura ao credo socialista, assim foi
Ariano Suassuna. Subindo o Morro da Conceição para homenagear a Santa ou dando
as suas aulas-espetáculos nas universidades brasileiras, marcou presença na
vida cultural brasileira dos séculos XX e XXI.
Recife, 2014
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