sexta-feira, 25 de julho de 2014

BRUNO NEGROMONTE

Dois compassos de delicadeza
Dois nomes, dois talentos. De um lado Delcio Carvalho, sambista carioca cujo a dureza do corte da cana lhe substanciou com uma doçura ímpar nesses mais de 40 anos de estrada e centenas de composições ao lado dos mais diversos nomes de nossa música. Dentre as canções de sua lavra há verdadeiros clássicos de nossa música popular brasileira como “Sonho meu”, “Acreditar” e“Minha verdade”, além de tantas outras em parceria com os mais diversos conceituados compositores como Dona Ivone Lara, Wilson Das Neves, Noca da Portela, Ivor Lancelotti, Zé Kéti, Luisão Maia entre outros. Além disso o rol de intérpretes de sua canção conta com nomes como Marisa Gata Mansa, Elza Soares, Martinho da Vila, Maria Creuza, Elizeth Cardoso, Alcione, Beth Carvalho, Gal Costa, Nana Caymmi, Clementina de Jesus, Jair Rodrigues, Nara Leão, Maria Bethânia, Vanessa da Mata, Mônica Salmaso, Clara Nunes, entre outros que fazem com que seu nome figure entre os maiores compositores do gênero ao qual escolheu e defende de modo elegante e coerente desde a década de 1960, quando passou a morar na capital do Rio de Janeiro participando de diversos programas de calouros e shows de Gomes Filho, da Rádio Guanabara. Vem desse período a composição, em parceria com Dias Soares, “Pingo de felicidade”, gravado na época pela cantora Cristiane.
A partir daí passou a ingressar o grupo Lá Vai Samba, onde ganhou uma visibilidade maior como compositor, chegando a ingressar na Ala de Compositores da Imperatriz Leopoldinense no início da década de 1970 e começou a ganhar a visibilidade de grandes intérpretes como foi o caso da 'divina' Elizeth Cardoso, que gravou ao longo de toda a década cerca de cinco canções de sua autoria: “Serenou”, “Igual à flor” (em parceria com Neizinho) e “Pra quê, afinal?” (composta com Mauro Duarte), “Voltar” e “Minha Verdade” (composição a quatro mãos com Dona Ivone Lara). Ao longo da década seguinte Delcio chegou a fazer dois registros fonográficos, o primeiro em 1980 onde interpretou vários de seus sucessos e o segundo em 1987, álbum que contou com participações de nomes como o maestro Rildo Hora, o saxofonista Paulo Moura, Dona Ivone Lara e Elizeth Cardoso. Os anos seguintes sucederam projetos como o show “De samba e poesia”, em comemoração aos 40 anos de carreira. Nesse espetáculo Delcio apresentou 14 composições, 12 das quais inéditas em parceria com o poeta Mário Lago Filho; além de ter lançado dois projetos: o primeiro em 2006, intitulado “Profissão compositor” e o segundo, produzido por Paulão Sete Cordas e Mariozinho Lago, trata-se de “Delcio - Inédito e eterno”, um projeto que abrange três discos com cerca de 40 faixas lançados em 2007. Sem contar com 0 álbum que resultou esta pauta.
Já o segundo nome trata-se do também carioca Marcelo Guima, violonista e compositor que teve a sua iniciação musical em Brasília, estado onde foi morar ainda criança. Foi na capital federal que Guima obteve o bacharelado em violão pelo Departamento de Música da Universidade de Brasília e teve a oportunidade ao longo de quatro anos ser professor da Escola de Música de Brasília - EMB, uma das maiores instituições públicas de ensino musical de nível técnico da América Latina. Como instrumentista vem escrevendo seu nome dentro da música brasileira defendendo-a em concertos tanto no Brasil quanto no exterior, mostrando a sonoridade de seu violão em países como México, Cuba, Alemanha, Guatemala, Panamá entre outros. Há de lembrar também que ao longo desses anos o instrumentista e compositor vem atuando na produção e composição de trilhas sonoras para TV, documentários e cinema (longas e curtas metragens). Essas incursões nos meios de comunicação renderam-lhe a apresentação e produção de dois programas de rádio: “Ouvindo Música” na Rádio MEC AM do Rio de Janeiro, com quase uma década em exibição e que traz como proposta um estilo didático usando como matéria-prima a Música Popular Brasileira para orientar o ouvinte a entender de forma mais prática os diversos aspectos da música; veiculado desde 2004, o segundo programa trata do “Arte Petrobras” na rádio MPB FM também no Rio e que tem como proposta a divulgação de artistas e projetos patrocinados pela Petrobras, servindo também como uma vitrine da cultura produzida em todo o país. Quanto a sua discografia, Marcelo Guima tem álbuns como “Nova Mente" (disco de estreia do artista lançado em 1994); "Passagem", álbum que chegou ao mercado no ano de 2000 e que traz releituras instrumentais de sucessos de nossa música popular brasileira, além de diversos projetos como, por exemplo, o disco “Pesquisa Musical Brasileira”, trabalho em parceria com o Ministério da Cultura, onde apresenta composições próprias utilizando como base ritmos originários do Brasil.
Com todo esse “Know-how” não é de se estranhar que a junção desses dois nomes resultasse em coisas boas como podemos atestar em “2 compassos”, álbum viabilizado pelo projeto de financiamento coletivo “Catarse” e que teve a sua estreia em show na capital San Salvador (El Salvador) a convite do Centro Cultural Brasil-El Salvador da Embaixada do Brasil. Nesta parceria juntam toda a experiência e talento para interpretações de cunho pessoal e intransferíveis a treze faixas entre inéditas e regravações. Dentre as que saíram do forno para este projeto encontramos “Deixar estar” e “Luar” (composição da dupla Delcio e Guima), “Vestido novo" (Guima e Ronaldo Monteiro), “O amor da gente” (Marcelo Guima). Quanto as releituras há canções como “Velha cicatriz” (Delcio e Ivor Lancelotti), “Sonho meu”, “Alvorecer” e “Minha verdade” todas compostas por Delcio Carvalho em parceria com Dona Ivone Lara. Da lavra de Guima ainda há as faixas “O amor da gente”, “Lembranças suas”, “Jamais”, “Amarelo, preto ou branco” e “Longe do mar”, parceria com Paulo César Pinheiro.Além de Delcio Carvalho e Marcelo Guima, ainda perfazem o álbum nomes como Arthur Maia (arranjos, percussão e baixolão), Alencar 7 cordas (arranjos), Toiniho Ferragutti e Chico Chagas (acordeon), Marcos Suzano, Durval Pereira e Marco Zama (percussões), Sérgio Chiavazzoli (bandolim, violões), André Vascconcellos e Nema Antunes (baixo), Carlinhos 7 cordas (violão de 7 cordas), Leandro Braga e Marco Brito (pianos e teclados), Téo Lima (bateria), Thiago da Serrinha (cavaquinho), Pedro Mamede (programação eletrônica e percussão), Ricardo Amado (violino) e Fabiano Sagalote (trombone). 
No último dia 12 de novembro o mundo do samba privou-se da presença física de Delcio, que veio a falecer em decorrência de um câncer no aparelho digestivo deixando uma obra que por si só já é eterna e digna de todas as reverências possíveis e imagináveis. Delcio Carvalho hoje de divino compositor não só pela condição que se encontra, mas por ter tido a oportunidade de emoldurar na parede da memória de muitos toda a poesia e lirismo em forma de samba, um ritmo que por si só embriaga àqueles que sabem sorver de modo preciso aquilo que ele oferece. Esse encontro com Marcelo Guima atesta isso. Seu último registro fonográfico mostra-se detentor de um vigor pleno e insolúvel que substancia toda lembrança deixada por Delcio em versos e melodias escritas e eternizadas em quase meio século dedicado a música. Valeu Poeta! Sua obra, sem sombra de dúvidas, é o legado maior que você poderia deixar. De modo perene seus versos e melodias habitarão gerações e gerações que procurarem se substanciar de um samba bem feito.
Ficam aqui duas canções presentes neste projeto acabou sendo o último do Delcio. A primeira faixa trata-se de "Acreditar", clássico do música brasileira composto por Delcio e Dona Ivone Lara gravada por diversos nomes da MPB:
A segunda faixa é outro clássico da MPB em parceria também com Dona Ivone Lara. Trata-se da canção "Sonho Meu":

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