O LAVADOR DE CARROS
(Por
Violante Pimentel) José
era lavador de carros. Muito conversador, gostava de se mostrar um homem
correto e sem vícios.
Entre os carros que
costumava lavar semanalmente, estava a Parati de um representante comercial de
meia idade, cujo escritório ficava nas proximidades do ponto onde eram feitas
as lavagens.
José não parava de
falar e sempre puxava assunto com os fregueses, enquanto estes aguardavam que
ele terminasse as lavagens. Num certo dia, enquanto terminava de enxugar o
carro do seu mais assíduo freguês, o representante comercial, o lavador
resolveu lhe contar sua vida, e assim falou:
- O senhor sabia que eu
já fui cego?
Surpreso e penalizado,
o dono do carro perguntou:
- E como conseguiu se
curar?
O lavador respondeu:
- É o seguinte, doutor:
Existe o cego de nascença e o que ficou cego depois que nasceu. Mas também
existe o cego por necessidade, que fica bom na hora que quer, sem precisar de
médico. E eu já fui cego por necessidade. Comecei minha carreira na porta da
Igreja. Ganhei tanto dinheiro de esmola, que deu para eu juntar e comprar um
quartinho pra morar. O povo tinha muita pena de mim.
O dono do carro,
curioso, perguntou:
-Foi seu primeiro
trabalho?
- Não! - respondeu o
lavador - Antes de ser cego, eu fui perneta... Usava uma perna de pau dentro de
uma calça folgada, e recebia muita esmola. Mas um dia, apareceu uma autoridade
policial aqui na cidade, querendo endireitar o Brasil, e mandou tirar todos os
mendigos das ruas. Foi uma verdadeira caça aos mendigos. Uma grande
perseguição.Numa manhã, eu estava sentado
na calçada da Igreja pedindo esmolas, quando a viatura da Polícia parou. Correu
mendigo pra todo lado. Minha perna de pau me atrapalhou e eu não pude correr.
Então, eu fui levado para o xadrez. Fiquei preso dois dias. Depois que me
soltaram, senti muito desgosto e resolvi mudar de profissão. A perseguição aos
mendigos acabou logo, e a quantidade de pessoas nas ruas, pedindo esmolas,
aumentou ainda mais. Depois de pensar muito,
resolvi ser cego, por necessidade. Treinei um mês em casa, usando uma venda nos
olhos de dia e de noite. Dei “show” como cego. Podia haver a maior zoada perto
de mim, que eu nem sequer me virava pra olhar. Uma vez, presenciei um desastre
grande, quando um caminhão, carregado de bebida, bateu numa caminhonete e
virou. Foi garrafa quebrada pra todo lado. O barulho foi enorme, mas eu nem me
mexi. Andava com um cajado velho que
tirei do lixo de uma casa rica...
Irônico e curioso, o
homem indagou:
- E por que você
abandonou a carreira de cego?
- Por causa da
concorrência. - respondeu o lavador. - Quando eu comecei a me passar por cego,
o povo se comovia e me dava esmolas. Depois, apareceram mulheres com crianças
desnutridas, alugadas, para pedir esmolas na porta da Igreja, onde era o meu
ponto. As pessoas passaram a se comover mais com as mães de araque do que
comigo. Fiquei na pior, pois as esmolas diminuíram muito. E a quantidade de
mendigos, na porta da Igreja, aumentou ainda mais. Aí eu vi que ser cego não
tinha mais futuro... Tinha mais gente pedindo do que dando esmolas.
E foi por causa disso
que eu resolvi ser lavador de carros...
Violante Pimentel é procuradora aposentada
do Estado do Rio Grande do Norte.
Esse aí é sabido igual ao João Grilo,rs. Adorei! Parabéns pela estreia, beijos. Diana.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, Diana! O lavador de carros era muito sabido!!! rsrsrs.
ExcluirUm beijo.
Violante
Inteligência sem diploma.
ResponderExcluirExcelente estória, já foi tema discutido em diversos telejornais.
Parabéns Tia!