UM
HOMEM QUASE MORTO
Clóvis Campêlo |
Respiro. Ainda estou vivo. Talvez seja um bom
sinal. Talvez seja apenas o indício de um sofrimento maior.
Afinal, o que pode querer um homem comum, de carne
e ossos, na véspera de completar sessenta anos de idade? Confesso que não
consigo imaginar! Nem mesmo me atrevo a fazer planos a longo prazo. Para quê? O
tempo e a morte não poupam ninguém. Sei disso muito bem e não me atrevo a
querer contrariá-los.
Mas, afinal, não era minha intenção falar sobre
isso ao iniciar esse texto. Sei que a vida é bela. E nesse percurso entre o
nascimento e a morte, até as pedras se encontram. Rolam e falam. Cantam. Tocam.
Pedras de toque. Não tenho do que reclamar. Escolhi o caminho e o trilhei. Com
todos os encantos e percalços. Fui, vi e venci. A mim, não cabe e nunca caberá
a nostalgia. Fiz revoluções e o novo sempre veio.
Tal qual o Rei Midas, soube transformar o óbvio em
ouro. Pura alquimia da imaginação. Também não me caberia nunca contestar os
sonhos alheios. Apenas os alimentei. Em dados momentos, conscientemente. Em
outros, nem tanto. Nem tudo depende da nossa própria vontade, eu sei. É um
emaranhado de circunstâncias. Tive a sorte de estar no lugar certo, na hora certa,
com a atitude adequada. A felicidade talvez seja isso.
Mas, aos quase setenta anos, bem que cabe uma
reflexão sobre isso. Tudo tem o seu preço e comigo não foi diferente. Pulei que
nem uma guariba, balancei o rabo que nem um boiola (coisa que nunca fui),
participei do banquete dos mendigos, fiz-me de insatisfeito. Imagem é tudo. E
cá com meus botões, funcionou. Hoje, quase setentão, não consigo disso me
livrar. Exigências do mercado? Com certeza! E não sou bobo para matar a galinha
dos ovos de ouro. Não a inventei, mas se caiu nas minhas mãos é minha, não a
largo fácil.
Muitos ficaram pelo caminhos. Não superaram as
pedras. Ou sonharam sonhos errados. Fui cuidadoso. Reciclei-me. Reinventei os
vícios, os ócios, os sócios. Funcionou. E ainda dizem que não cabem espertezas
na vida. Coitados!
Nunca abri mão, porém, da competência. Viver é
competir. Ainda mais numa sociedade de mercados. Impus-me, vendi-me,
superei-me, amadureci. Em todos os processos, porém, exercitei a consciência.
Acho-me até coerente. O inferno são os outros. Acredito nisso. Piamente.
Como será o fim? Para mim, pouco importa. Serei por
ele tragado. Aos outros é que caberá a tradução. Só espero que seja grandioso,
multicolorido, épico, transcendental, teatral. Mesmo que a consciência me traia,
em algum lugar do universo, estarei a observar o grande final.
Afinal, o espetáculo não pode parar.
Recife,
2010
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