A MORTE DE TODOS NÓS
Todos nós morreremos um dia, isso
é fato incontestável. A grande maioria de nós humanos, porém, viverá e morrerá
no mais completo anonimato, com direito a choros e velas apenas dos amigos e
parentes mais próximos. Ocupará uma vala comum ou uma sepultura modesta, de
conformidade com a capacidade financeira da família, em algum cemitério da
cidade e receberá uma placa simples, impressa sem alto relevo, enaltecendo
algumas das suas virtudes e relatando as saudades dos amigos e parentes que
ficaram. Nenhuma comoção a mais, com certeza, essas mortes provocarão. Aos
poucos, esse sentimento de perda cairá naquilo que os poetas chamam de “saudade
pacata”. Afinal, a vida continua e todos os que ficaram devem cuidar de fazê-la
ao menos bem vivida e satisfatória.
Os famosos e as celebridades,
porém, tem a morte anunciada em alto e bom tom, estampadas nas primeiras
páginas dos jornais e nas capas das revistas em letras garrafais e citações
bombásticas sobre o seu modo de ser (ou de ter sido).
Quem não se comoveu, por exemplo,
com a morte de Tancredo Neves, o paizinho (como nos falou em cadeia nacional a
atriz global Cristiane Torlone, na época) que iria nos libertar definitivamente
das garras repressivas da ditadura militar? Quis a ironia e a história, porém,
que o eminente político mineiro, eleito indiretamente pelo colégio eleitoral do
Congresso Nacional, morresse antes da posse. Esse fato permitiu a José Sarney,
que entrara na composição da chapa para garantir a adesão e o apoio de alguns
setores mais conservadores da direita política brasileira, o direito de ser o
primeiro presidente da Nova República, terminologia adotada para exprimir os
novos tempos que haveriam de vir com o passamento do regime militar.
Quem não se espantou, por
exemplo, com a morte prematura e precoce de John Lennon, em dezembro de 1980,
no Dia de Nossa Senhora da Conceição, assassinado por um admirador enlouquecido
que, na loucura do seu delírio, pretendia tomar-lhe o lugar. Não seria a
primeira e nem a última vez, na história do mundo, que um louco a solta
provocaria a comoção mundial, devidamente transformada em lucro pela mídia
especializada em explorar a emoção alheia e sedenta pelos cifrões dos lucros
inescrupulosos? Eu mesmo confesso que vivi e sofri aquele drama.
Enfim, poderia citar várias
outros exemplos de mortes anônimas ou exploradas pelo sensacionalismo midiático
(lembrei também do enterro do papa João Paulo II, uma grande produção
colorida).
Por isso tudo e muito mais, agora
que experimento a maturidade possível da terceira idade (eufemismo idiota sobre
a velhice) não me sensibilizei muito nesse domingo ensolarado recifense quando
li sobre a morte do compositor americano Lou Reed.
Continuei ao lado do amigo Renato
Boca-de-Caçapa, o filósofo do povo, e de dona Cida Machado, a fotógrafa foliã,
degustando um delicioso cação ao molho de coco e creme de leite, regado por uma
cerveja geladíssima e compatível com o calor intenso que fazia na praia do
Pina, naquele dia.
Descanse em paz, camarada Lou. De
ti, guardarei apenas a voz revolucionária e inútil que um dia imaginou poder
mudar o mundo.
Recife, 2013
Grato pelo espaço e oportunidade, Orlando. É um prazer para mim estar aqui ao lado do Velho Marinheiro e de outras figuras fenomenais.
ResponderExcluirCaro Clóvis, é um baita prazer tê-lo por aqui.
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