sexta-feira, 15 de novembro de 2013

BRUNO NEGROMONTE

Quando os sentimentos se liquefazem em um mar de tênues melodias
Nascida no litoral de São Paulo, mais precisamente em Santos, a cantora Miriam Bezerra traz em sua composição algo cosmopolita que ao mesmo tempo não se desvencilha daquilo que compõe a sua essência. Nas faixas presentes em "... E que a tristeza seja chuva", seu primeiro disco, é possível perceber as suas genuínas raízes caiçaras, impregnadas ora em suas melodias, ora em suas letras, cujos registros eternizam-se agora em seu debute fonográfico. De múltiplos talentos, Miriam é cantora, compositora, atriz, intérpretes de jingles publicitários e, além de todas essas características, traz consigo algo maior dentro de si pela natureza, particularmente pelo assustador e encantador mar. Talvez, some-se a isso, o fato da cantora e compositora ter nascido na costa paulista e ter essa intrínseca relação com o litoral. A justificativa plausível para este tipo de comportamento talvez seja fundamentada a partir daqueles que possuem uma sensibilidade aguçada e respeitoso encanto pelo mar, tal qual nomes da estirpe do saudoso Dorival Caymmi (1914 - 2008). 

Tendo o mar como norteador do seu lirismo e inspiração, banhando de maneira substancial a sonoridade e poesia existente em seu trabalho, Miriam soma a isso ao amor; expoente maior em sua vida e que se faz de modo tão evidente nesta taurina. Amor este que se evidencia pela música de longas datas, pois ainda criança ela já demostrava um notório interesse estando intrinsecamente associada à sua vida até mesmo por motivos diversos, dentre um que merece destaque: Seu José e de Dona Regina, progenitores da clã Bezerra, tiveram 10 filhos, e esta família grande propiciou a artista conhecer as heranças e tesouros de um Brasil profundo, particularmente centrado no Nordeste brasileiro, torrão natal de seus pais. A mãe, uma pessoa de extrema criatividade, cantava canções que ela mesmo inventava e canções de roda de infância na Paraíba, assimilada de maneira pra lá de espontânea pela futura cantora, pois Miriam gostava e prestava bastante atenção à mãe. Já o pai, militar e regente da banda do quartel era admirador de uma gama de ritmos, que iam desde boleros até os frevos de Pernambuco, sua terra. E assim, esse ambiente trouxe de maneira bastante arraigada a música para a vida da cantora santista, tanto que hoje ela é dona de múltiplos talentos.

A timidez e a vergonha fez com que o indescritível e prazeroso ofício de subir ao palco fosse protelado, fazendo com que Miriam Bezerra só viesse a apresentar-se ao grande público tempo depois de já ter feito diversas atividades, dentre as quais política e teatro amador. Além de ter escrito poesias, contos e ter cursado um pouco de Letras, Filosofia entre outros projetos enquanto fomentava seu sonho. Um belo dia, resolve dar vazão a esse desejo e sobe no palco para nunca mais deixar, e endossando essa decisão, resolve cursar canto popular pela Universidade Livre de Música e Artes Cênicas ao longo desses vinte anos de palco. Vale ressaltar que a versatilidade evidencia-se logo no começo dessa pretensa carreira, pois a artista além de cantar em espetáculos teatrais, eventos, espaços culturais e diversas casas noturnas; também compôs diversas trilhas sonoras de vários espetáculos teatrais, dentre eles "Direito de Escolha", com direção de Esther Góes; "É o Bicho - A Ordem Natural das Coisas", com direção de Rosi Campos.

Nesse período a artista recebeu o "Prêmio Pagu" de Melhor Trilha Sonora Infantil e Adulta, além do "Prêmio Estadual Plínio Marcos", de Melhor Trilha Sonora do Ano (2002), além de também ter participado de grupos como o “Trovadores Urbanos”, o “Flor da Terra” (desenvolvendo um trabalho em torno da música regional brasileira) e o “Canto da Lua”, dedicado ao universo das serestas. Este "know-how" evidencia-se em seu trabalho de estreia intitulado "E que a tristeza seja chuva", álbum independente da cantora do litoral paulista, cujo a tecitura se faz a partir da valorização de uma sonoridade essencialmente brasileira, trazendo consigo retalhos de um país heterogeneamente rico em suas nuances rítmicas; além de vir imbuído de uma característica interessante: um lirismo digno das grandes compositoras existentes em nosso país e que se evidencia nas treze faixas de autoria de Miriam neste debute fonográfico.

A proposta de valorização da música brasileira mostra-se evidente já na primeira faixa intitulada "Cantiga de menina" cujo o arranjo dos violões de Ayrthon Boka Luiz Marcos dão uma textura especial a canção. Outra característica visível no álbum é a exaltação ao amor e as relações afetivas, presente em canções como "Olhos e sinais", "Sonho azul"(retratando o amor de modo pueril) e "Sem avisar" (faixa que relata as consequências de um inesperado sentimento). O modo singelo de observar as relações afetivas também mostra-se em "Riso de paz" e as reminiscências do litoral associadas a esse nobre sentimento surgem em "Do mar e seus encantos". As incongruências também presentes nas relações afetivas são cantadas em verso e prosa em faixas como "Pra renascer" e "Desilusão". O disco continua abordando outros temas com toda a sutileza e lirismo presentes nas composições da multi artista. A abordagem de um tempo que não volta mais surge em "Saudades de mim" e, munida de metáforas a artista também apresenta, "Novo dia", canção cujo o título do álbum é extraído do seu bojo e é mais uma canção a tratar das relações afetivas. O álbum ainda conta com canções como "Sinal fechado" (título homônimo a uma composição do Paulinho da Viola), "Minha senhora" e "Mãe natureza".

O álbum conta com a participação dos músicos Ayrthon Boka (violões), Luiz Marcos (violões, guitarras e vocal), Maicira Trevissan (flautas), Douglas Alonso (percussão), Débora Paiva e Viviane Davóglio (vocais), Wellington Moreira (bateria), Reginaldo Feliciano (baixo), Iuri Salvagnini (piano e synth strings), João Poleto (saxofone), Arizinho 7 cordas (violão 7 cordas) somando forças ao compromisso com a beleza melódica e o rico verso nos diversos gêneros presentes em "E que a tristeza seja chuva" tais quais samba, samba-canção, bossa nova, toadas entre outros.

Miriam nos remete a uma época em que as compositoras prezavam pela beleza melódica e o verso bem elaborado a partir de um exacerbado lirismo, tais quais artistas como Fátima Guedes, Dolores Duran e tantas outras, que por esses tipos de características acabaram tornando-se atemporais. A própria artista admite que a música que faz alimenta-se do universo feminino para tornar-se forte e verdadeira. Isso talvez se dê devido a mais forte figura presente em suas reminiscências: Dona Regina, musa inspiradora de um amor e encantamento que serviram como força-motriz para a sua vigorosa composição e bem estruturadas melodias. Pura emoção em melodias e versos intrinsecamente entrelaçados com uma riqueza e sutileza de marca maior, fazendo desse novo nome do cenário musical brasileiro alcançar um merecido destaque a partir de suas intensas e delicadas interpretações. Canto e talento ímpar e definido de modo magistral pelo jornalista e crítico musical Julinho Bittencourt: "(...) prenhe de talento e totalmente desprovido de qualquer arrogância artística".
 

2 comentários:

  1. Belo texto. Voz linda da Miriam. Muito cabimento a alusão a Dolores Duran o sonoridade praieira. Parabéns

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  2. Fico feliz que tenha agradado a você Pernambuco, no Brasil há muitos talentos como este... é uma pena a falta de espaço nos grandes meios de comunicação de massa...

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