sexta-feira, 30 de novembro de 2018

AS PERERECAS DO MIRANDA

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De segunda a sexta-feira, das 8 horas ao meio-dia, dezenas de pessoas dirigem-se ao consultório do “doutor” Edson – o dentista mais frequentado da Vila Invernada e região. As filas não chegam a dobrar o quarteirão, mas ocupam ao menos metade dele. Tamanha movimentação contrasta com a aparência do doutor e com a de seu consultório – ambas desleixadas, para falar o mínimo.


Morador recente da Vila Invernada, cuja casa fica em frente ao consultório, Miranda também se indignava com a rapidez do atendimento. O paciente não esquentava cadeira. Segundo seus cálculos, o doutor não gastava mais de dez minutos com cada um. O que o levou a concluir que estava ante um profissional de rara competência. Até porque todos, sem exceção, saiam dali com cara de alívio, sorriso estampado no rosto, sem sinal de dor.

Certo dia, Miranda foi ao bar do Carneiro tomar café e comprar cigarros:

-- Seu Carneiro: preciso de uma informação. Necessito fazer um tratamento dentário. É coisa pouca. Na verdade, quero trocar as dentaduras, porque estas já deram o que tinham que dar. Estou impressionado com quantidade de pacientes do doutor Edson. Mais ainda com a rapidez com que ele soluciona os problemas dos clientes. Ele é careiro?

Carneiro esquivou-se, como convém aos velhos comerciantes:   

-- Não sei lhe dizer, nunca me tratei com ele.

Sentado com Ananias – seu companheiro de copo e de prosa – à mesa perto do balcão, o Velho Marinheiro não se conteve:

-- Não sou homem de me intrometer na conversa dos outros. Mas não posso me calar ante um caso como o seu. Trata-se de uma questão humanitária, de saúde. Já vi que o senhor se mudou há pouco para cá. Onde esse tal de “doutor” Edson comprou o diploma – se é que ele tem mesmo o canudo – ninguém sabe.

-- Então, ele é um charlatão? – quis saber o morador novato.

-- Ponha charlatão nisso. Ele vive – e está rico – é de vender atestado médico. Pela quantidade de pessoas que ali comparecem, diariamente, o senhor conclui que, no país, os vagabundos abundam. Às vezes, ele arranca um dente ou outro dos incautos. Tolos não nos faltam. Mas, quando ele extrai um dente, a hemorragia é certa. Melhor o senhor ficar com suas pererecas arruinadas ou arrumar outro dentista. 

(Orlando Silveira -  atualizado em novembro de 2018)  

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