sábado, 1 de dezembro de 2018

SOBRE POLÍTICOS E QUENGAS

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O Velho Marinheiro estava visivelmente irritado naquele começo de noite. E sempre que isso acontece quem paga a conta salgada é o dedão esquerdo, já que nosso Lobo do Mar se põe a caçar sem tréguas o bicho de pé imaginário. Para quem o conhece, não era difícil imaginar as razões de sua irritação – ela começava com a gritaria dos fregueses do bar do Carneiro e terminava com o tema das conversas: reforma política.

-- Vou lhe dizer uma coisa, Ananias: sou homem curtido, do mar, de cais do porto, convivi com gente boa e com a escória. Nunca vi gente tão besta assim – disse ao amigo e jornalista em fim de carreira, apontando para a turma que, entre um gole e uma tacada no bilhar, apontava “soluções” para acabar com a corrupção na política. Essa gente não fala, berra. E só fala besteira. Bando de analfabetos barulhentos.

-- Concordo. Essa zoada perturba a gente, não se pode conversar em paz. Mas gostei de ouvir um e outro defendendo o financiamento público de campanha. O senhor não acha que, se não acabar com a corrupção, ele contribuirá para inibi-la?

-- “Ele” quem, Ananias?

-- Ora, Velho Marinheiro, o financiamento público de campanha.

-- E você acha que essa gente sabe o que é isso? Você está ficando cada vez mais abestalhado, Ananias. O passar dos anos e a uca estão lhe fazendo mal. Com uma porcaria dessas, eles vão tirar ainda mais dinheiro do povo. Quem lhe garante que o tal do caixa dois vai acabar?

-- Todo mundo sabe que a corrupção começa na campanha eleitoral, com as doações das grandes empresas, das empreiteiras, dos bancos. Ninguém dá nada para ninguém, sem esperar a recompensa...

-- Não seja ingênuo, Ananias, você já está saindo da idade madura para entrar no pior dos mundos, que é a velhice, falo por experiência própria. Você acha que empresas pagam aos políticos apenas uma vez, na campanha eleitoral, e que, depois, por gratos, eles aprovarão de "graça" tudo o que for de interesse delas, ao longo dos quatro anos de mandato?

-- É que...

-- Deixe de ser tolo. Político é quenga. Toda vez que alguém precisa de seus préstimos tem que lhes pagar. Acertos passados não movem moinhos. E o preço, meu caro, varia conforme o tipo de serviço. Entendeu?

-- Não tinha pensado nisso.

-- Então, pense: Ananias.   

Um comentário:

  1. Parabéns Orlando, pelo belíssimo texto! Você é maravilhoso escritor :)

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