segunda-feira, 12 de novembro de 2018

UM LADRÃO NO TELHADO

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O fato ocorreu há 50 anos. Morávamos na periferia de São Paulo, casa boa para os padrões locais. Rua sem asfalto. Em dias de chuva forte, ficava quase intransitável, até para pedestres. Usávamos galochas. O pai trabalhava bastante, nunca rejeitava hora extra, mas ainda não conseguira comprar um carro, ia e vinha de ônibus.

Numa sexta-feira, chegou tarde do serviço, quase meia-noite. Mãe e avó preocupadas com a demora, embora ela - a demora - não fosse novidade. Mal ele se sentou à mesa para jantar, começou o inferno: cães vadios latiam ensandecidos ao redor da casa. Nos dois lados e nos fundos, terrenos baldios. Vinha do telhado, um barulho estranho, parecia de passos.

O pai não teve dúvidas: é ladrão, ele vai descer pelas escadas que levam à área de serviço e tentar entrar pela porta da cozinha. Teve, então, uma “ideia genial”. Aquele homem, o pai, de fala mansa incorporou um tenor:

-- Mãe: traga o revólver – gritou ele para minha avó, que respondeu ainda mais alto:

-- Filho: você está louco? Nunca tivemos armas em casa! Se tivéssemos, de nada adiantaria. Você não sabe atirar!

O pai teve vontade de matar a mãe.Quase surtamos.

Minutos e orações depois, o barulho no telhado cessou. Os cães, assim como chegaram, se foram - barulhentos. Uma pergunta nos atormentou por muito tempo:

-- O que faria um ladrão no telhado? Nossa casa, claro, não tinha chaminé. 

(Orlando Silveira - Atualizado em novembro de 2018)

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