quarta-feira, 18 de novembro de 2015

COISAS DA VIDA



O RÁDIO

(Por Violante Pimentel) João de Teca, um feirante de Nova-Cruz, analfabeto e de raciocínio lento, adquiriu um rádio à bateria, na loja de seu Xandu. Nessa época, ainda não havia chegado energia elétrica na região.

Poucos dias depois, o comprador voltou à loja para devolver o rádio, exigindo de volta o valor que havia pago. O dono da loja se recusou a desfazer o negócio, explicando ao cliente que isso somente seria possível, no caso de ser comprovado no rádio defeito de fabricação. Para isso, o rádio foi submetido à análise de um radiotécnico, ficando em observação durante oito dias. Findo esse prazo, nele não foi constatado qualquer defeito.

Na data marcada, João de Teca voltou à loja, para resolver o problema. Chegou visivelmente irritado, com o propósito de devolver o rádio e receber o dinheiro de volta. Seu Xandu, percebendo a insatisfação do cliente, determinou ao radiotécnico que conversasse com ele e lhe comunicasse que o rádio não apresentava qualquer defeito. Dessa forma, não havia por parte do dono da loja obrigação de desfazer o negócio. Era a regra do comércio.

O rádio foi posto em funcionamento, enquanto durava a discussão. O comprador não se conformou com a explicação, e tornou a dizer que o rádio, na sua casa, havia apresentado um grande defeito no funcionamento. Comprara o rádio mais caro da loja, mas tinha sido enganado. Com a voz alterada, o cliente esbravejava impropérios contra o dono da loja, que tentava, inutilmente, fazê-lo entender a situação. 

Finalmente, seu Xandu, usando de toda a paciência que Deus lhe havia dado, pediu ao cliente que explicasse qual era esse defeito que somente ele via, e não fora detectado pelo radiotécnico.

João de Teca queimou brabo ao ser questionado, e disse que não era mentiroso, nem ladrão. Exaltado, repetiu que o defeito do rádio era no funcionamento. E continuou:

– Esse rádio veio com defeito. Três dias depois que eu comprei, ele deixou de tocar “Vem cá cintura fina, cintura de pilão”, a música que ele mais tocava. E é a música que eu mais gosto de escutar! Tocava essa música de manhã, de tarde e de noite! De repente, o funcionamento deu defeito e ele não tocou mais, mesmo eu pedindo!

A gargalhada das pessoas que estavam na loja foi grande. Aí o bicho pegou mesmo. João de Teca se sentia desmoralizado, e não aceitava voltar para casa com aquele rádio.  O dono da loja terminou chamando a polícia, para conter a ira do cliente.

Finalmente, o homem saiu da loja, levando o rádio, mas dizendo, para quem quisesse ouvir, que aquele povo era um bando de "ladrão safado", e que ele havia sido enrolado. Um rádio que não toca “Vem cá cintura fina, cintura de pilão! Onde já se viu?!”
 


 Violante Pimentel é procuradora 
aposentada do Rio Grande do Norte





CINTURA FINA
DE Luiz Gonzaga e Zé Dantas


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